Não sei como ir da minha vida à tua rua,

a tua rua cheia de perguntas,

a minha vida estranha sem respostas.

Mas chegarei...
Porque tu me chamas.


Belén Sánchez

CACAU


cobre-me o manto doce do sorriso,
sempre que venero teus contornos únicos.

diz-me o mundo que será a névoa do sonho,
digo-lhe que é a minha vontade cumprida,
num hino à antecipação.


©2007 joaquim amândio santos e editorial negratinta

"Mulata", Pintura de Claudia Perotti
Acrílico sobre cartão - 12/09/2007
0,70 x 0,50 m




É na penumbra que os animais aprendem a olhar-se.Os olhos seguindo o vento de dentro a vertigem da esquina depois da pele.Deixo o peito descalço para que me ceifem às cegas.Na penumbra aprende-se o peso luminoso dos dias.

Catarina de Almeida



"no princípio era...

não dormia sem o escuro absoluto, doíam-lhe os olhos de ter visto cidades, de ter esquecido gente, do frio do vidro nas palavras. Demorava tanto a entender o mundo que agora não dormia de muita luz que as coisas tinham antes sequer de serem suas. Trabalhava-se tanto nesse lugar onde vivia com outros como ela, que às vezes pensava: tão estranho nascer (quer dizer, nascer mesmo, estar aqui) para o dia passado com estranhos. E por isso, no princípio, não dormia sem procurar o amor, sem beijar na testa a noite que acabava serena e exausta como a noite.

No princípio era. Depois esvaziou-se com cuidado."

CONVITE



REBENTAÇÃO


a salinidade imaginária
dá um alento redobrado ao mel dos nossos sentidos.

torna-o prolífero num farto desejo
desaguando em ti
cada gota cristalina do meu mar.

Esta cidade, chamada Igualdade, chamada Utopia


I

Ergue-se a tua voz, cidade.

Diz-me que a verdade não está na terra do nunca.

Pulsas por cá, sem que o teu betão seja surdo, somente cimento, pálido no seu cinzento,

Não sendo tormento sem lugar à humanidade!

Nesta cidade

Estou, sem querer uma estada sem Ti, na ausência de todos.

Assim se construirá a nossa luta pela partilha, tecida nas malhas do consenso,

sem voltar nunca as costas ao desafio da fragilidade.

O lugar a todos torna-te cidade lar de cada um.


II

E se te consome o frio, quando assola, seja meu o cobertor do teu aconchego.

E se obedece à míngua o pão teu, que essa seja saciada pela metade do que levo à boca,

quase sempre em demasia.

E à falta de trabalho para Ti, que eu te abra uma porta, sem medo cego de que o teu sopro de felicidade seja vento gélido para o meu sucesso

E que a dita tua deficiência seja razão para o profundo carinho da minha devoção.

Que as chagas da tua doença mirrem sob os auspícios do mais terno cuidado.

E que nesta cidade, venha o dia, nos dias todos,

Em que a tua mão estendida assim seja para apertar a minha,

nunca como súplica da vida que te foge!


III

Nesta cidade ergue-se ufana a vontade do arco-íris.

Pulsam, sem mácula, todos os tons, todas as nunces que o preenchem.

Nesta cidade é grande a vontade de jamais submergir ao triste domínio do preto e do branco.

Sem negritude mortal, numa ausência da palidez cínica, construímos um ninho sem fim.

E quando minha língua não entender a tua,

Erguemos o nosso entendimento na universalidade de um sorriso.


IV

Esta cidade chamada igualdade,

Nunca responderá ao chamamento da exclusão!




Ermesinde, 23 de Outubro de 2007

TEXTO OFICIAL DO ARRANQUE DO "ROAD SHOW" IGUALDADE PARA TODOS,

PROMOVIDO PELA UNIÃO EUROPEIA

©2007, joaquim amândio santos e negratinta editorial


photo by

©2007 PEDRO MOREIRA


"Nesta vida – é um facto – estamos sempre a desaprender coisas novas. O mundo vai guardando a luz nas suas bainhas negras e temos a melindrosa companhia dos fantasmas que nos procuraram: eles governam rudemente os nossos pequenos reinos e há um ceptro novo para cada coroação. De repente, com a volta das estações, damos por nós muito mais velhos nas fotografias. As razões que nos assistiam empalidecem em paisagens cruelmente coagidas pela luz. Fomos expulsos dos grandes palácios da alegria? Onde estão os mapas que nos guiavam lá dentro, exactos como o instinto? Não sabemos responder: o caminho turva-se: são as incertezas da maturidade. As palavras não nos iluminam e o amor está condenado aos defeitos naturais do coração, que ainda assim há-de voltar a arder sem defesa nem socorro uma vez mais."





















Quando amanhece penso:
Encontro-te no vento
virás abraçar-me como os ramos da árvore
e chegaremos ao coração da cidade

Ao meio-dia sei:
A distância do meu corpo ao teu grito
corresponde à do teu sopro ao meu ouvido
-eis a anatomia do silêncio

De tarde fico exausta:
Circulo pelas ruas e roço-me nas praças

À noite adormecemos:
Será que te lembras?
será que me lembro?

Amanhã alegro-me de novo:
Imagino a floresta, parto o espelho
e recomeço a ir ao teu encontro.

Teresa Balté


"Estavam ali os dois, diante um do outro, às escuras, um a falar, o outro a ouvir, ao mesmo tempo longe um do que dizia, o outro do que ouvia, e longe um do outro. "



enquanto dedilho esta peça de metal cantante,

penso em todos os uivos dos meus mundos que desafiaram a minha lua!



Na cadência musical das palavras,

a voracidade do apetite. sem tréguas.

e rezarei na protecção nascida nesta unicidade com todos.



que nunca o meu farto silêncio se torne refém de um vazio parasita.






































"em amanheceres onde tudo o que foi ferido
vira sombra
ainda há doçura no interior da boca
com os olhos abertos no meio do silêncio
pesas-me nos lábios
dispo-me de ti com o vento a atravessar a pele
fomos feitos de copiar dos dias o que perdemos
a respiração compromete a ausência
afinal somos feitos de regressos"

Rodrigo Leao - Passion


"Deixas rasto no meu peito durante horas. Dou com cabelos teus colados, dias depois, à roupa do meu sorriso.Encontro nos vincos mais longínquos dos meus dedos o cheiro parado do teu olhar tão móvel. Procuro-te nas esquinas dos instantes que passam. Reconheço-te no vinco que a ternura deixa na carne do peito, do meu olhar, aquele que deito para longe, para outra esquina, de onde recebo mensagens de outro olhar igualmente teu, igualmente meu, reflectido na montra de uma loja do nosso sono. Deslizo. Deito-me sobre as lembranças. (...) E procuro-te sempre, na ausência da carne que os dias me traçam na pele. E depois na presença eu ... presença tu..."


as mãos redescobriram o silêncio
praticam essa arte muito antiga de na imobilidade
tudo desejarem
al berto

PETER MURPHY-"Strange Kind Of Love"

All Sparks- Editors



Tu, que não conheço ainda, ou imagino que não conheço, ajuda-me a ficar. Ocupo pouco espaço, quase não faço barulho, nunca grito, não incomodo ninguém. Leva-me contigo e ajuda-me a ficar.Tenho a ternura simples mas aos nós. Como as tuas unhas são mais compridas do que as minhas desata-me isto tudo. Mãos impregnadas de nuvens, ossos suaves como o leite,vagarosos, certeiros. É bom nascer no instante em que o ar é mais frio do que a água.Trouxe-o aqui no bolso para ti. Há-de haver, nalgum sítio, a minha última casa.

António Lobo Antunes


não tinha sentido pensar em ti
e não sair a correr para a rua
procurar-te imediatamente

correr a cidade de uma ponta a outra

só para te dizer boa noite
ou talvez tocar-te
e morrer

al berto

"Escreves-me cartas, sou o destinatário da tua solidão. E sempre compreendo tudo, mesmo o que não dizes, o que tinge as entrelinhas de um branco desespero que é tanto teu como meu. Não tens quem te salve, envelheceste, trataste ma lde um jardim que não chegou a vingar. Se nos cruzássemos nas ruas desta cidade entre desconhecidos de toda a sorte, talvez nos sentássemos a falar da nossa vida, isto é,de como vamos ficando cada vez mais orfãos de nós próprios."


"Não tinhas nome.

Existias como um eco do silêncio.

Eras talvez uma pergunta do vento."

foto roubada aqui

" Estamos sós, tão sós, e vamo-nos matando um ao outro, em silêncio. "





"ele disse: acredito na paixão inocente, naquela que se pode viver em segredo, que não magoa mais do que a nós próprios que a sentimos.

ela disse: às vezes penso que o destino cruza caminhos em tempos errados. desejamos pessoas nos tempos errados. sentimos saudades quando já é tarde.


ele disse: talvez porque precisamos de ser avisados constantemente que podemos mudar de trajectória.

ela disse: talvez porque mesmo que sentados aqui, para sempre, possamos acreditar que podíamos estar em outro lugar, e sermos completamente diferentes."


Dos nossos corpos,
ficavas ali,
tocando-me, despindo-me
e vestindo-me de flores...

olhando-me como se nada entendesses de mim...

Alexandre Monteiro



"...quando estás frente a mim, os teus olhos falam-me das coisas, de todas as coisas que flutuam entre nós, à deriva. e eu, quando os ouço, sou como um corpo náufrago na terrível dimensão do mar onde, em cada barco afundado, há uma morte silenciosa ou o prenúncio de um amor ainda por acontecer. "

ORAÇÃO



sem desistências
porque a dor é panaceia para a anestésica forma de não sentir!

sem tréguas
porque a refrega não é passível de abandono.

a luta é pelo ceptro da sedução!



photo by joão manuel


Estava a porta entreaberta, não bati sequer. Sempre me espanta encontrar-te tão assim de visita, na tua própria casa, em ti. Era difícil tocar-te, mexer-te. Na parede branca oscilam os ramos, as sombras de ramos da alameda. Era mais fácil beijar-te, por falta de palavras. Tão profundo é o silêncio, que se ouvem todos os rumores, o ladrar de um cão, o silvo de uma fisga, a pancada dos ramos no entardecer, lembrando um sino submarino. Pensava que amar-te (querer-te livre) começava na ponta dos dedos e ia até às ideias mais abstractas, que o teu corpo era a melhor expressão possível de ti, e ainda muda, como um hieróglifo enterrado na areia do teu deserto favorito (algures na anatólia), pensava que serias um dia aquela singular memória que nos separa, um breve instante, de tudo quanto vemos, e muitas outras noites, acordado junto ao teu corpo ausente...
António Franco Alexandre

MUSA


sacodem a solidão, por entre as migalhas de poeira, cada um dos passos firmes num passeio solitário.

para lá da estrutura auditiva, o ninho de palavras de um escritor sorve todos os ruídos que volteiam no mesmo mundo das cores, na mesma dimensão dos animais, plantas, construções e pedaços de natureza que se espalham ao longo da vida desse percurso.

eis o que pulsa no fervor da escrita.
cada página um campo de batalha, cada palavra uma adaga desse convicto vampiro do mundo de todos, de todos quantos agora foram sorvidos pelo seu mundo!

shiuu....


Calo a custo as palavras que me falam de ti.

Agarro-as uma a uma, com todo o cuidado,

antes que se amontoem,

e reduzo-as a silêncio,

uma e outra vez.

Luís Ene


"Ninguém muda. Não sou só eu que não mudei. Nin-guém-mu-da, ouviste? Nin-guém. Eu não sabia que gostava de viajar porque nunca tinha viajado, como agora ainda não sei se gosto de outras coisas que nunca fiz. Mas isso não quer dizer que tenha mudado. Somos os mesmos, somos sempre os mesmos."


Falámos, melancólicos, às três da madrugada, tristes, não demasiado bêbedos, naquele ruidoso bar para noctívagos. Curiosamente, insistimos no tema da morte, e recordou-me outras conversas, outro tempo, embora neste momento, fosse uma morte próxima - muito pouco literária -sórdida e tangível como as manchas da toalha. Na porta ao sair ficámos sérios, sabíamos que de novo nos separávamos e fingimos esquecê-lo com uma expressão banal. Hoje, não sei porquê, voltam essas imagens e gostaria de reviver aquela noite, nem melhor nem pior, o que foi, simplesmente. Reter por um momento, só por um momento, a humidade dos teus olhos, o rito do teu sorriso ,o que me chega como uma pintura desbotada, ou como, ao despedir-nos, as gotas de chuva no vidro do carro, a desenharem um caminho, a resvalarem, a apagarem-se.



Juan Luis Panero

INFORMAÇÃO


Caro(a)s Bloggers,


A NEGRA TINTA EDITORIAL tem o grato prazer de lançar a obra “CÂMARA ESCURA (revelação), do poeta Joaquim Amândio Santos, com prefácio de António Lobo Xavier.

Sendo esta obra mais um trabalho nascido de um escritor cuja carreira foi lançada na blogosfera, a exemplo das edições previstas e possíveis no futuro próximo desta editora, será importante contarmos com a honra da presença de bloggers nas diversas acções de lançamento da obra.

Nesse sentido, solicitávamos indicação de morada ou preferência por receber o convite por mail para negratinta@gmail.com, bem como qual dos eventos escolhem para nos honrar com a sua presença.

Lançamento e Apresentações:

31 de Maio Funchal

8 de Junho Penafiel

14 de Junho FNAC Norteshopping, Porto

28 de Junho FNAC Chiado, Lisboa

5 de Julho FNAC Coimbra

Aproveitámos ainda para solicitar que qualquer manuscrito que entendam colocar à consideração desta editora para possível publicação, seja enviado por este mail, ao meu cuidado, estando previsto editarmos até 4 obras, nascidas na blogosfera, até Março de 2008.

Saudações Literárias,

Nélia Maria Pereira

Edições e Comunicação

NEGRA TINTA EDITORIAL

era assim...


Era assim:
queres?

queres algo?

queres desejar?
desejas querer?
desejas-me?
desejas querer-me?
queres desejar-me?
queres querer-me?
queres que te deseje?
desejas que te queira?
queres que te queira?
quanto me queres?
quanto me desejas?
ah quanto te quero...
quando te quero
quando me queres...
Ana Hatherly

Volátil






-¿ Y como te sientes hoy?

A veces me siento como si estuviera parada al borde de un precipicio
donde te da más miedo caer hacia el cielo con los ojos cerrados
vértigo invertido…

Con este frío que cala sobre todo por las noches
cuando la soledad pone una silla cerca de mi cabecera
y se pone a contar uno a uno mis temores

Ansiosa,
Como cuando sueñas con el mar embravecido
y no recuerdas como nadar…

Esperando,
Ya no se si es eso o es mera inercia
a veces simplemente no quiero moverme
para no volver a caer
cuando lo único que caen son gotas de mis ojos
pero no se lo digas…

En cuanto a la ausencia que han dejado en mi almohada
del sonido de su voz o de sus letras
siento que ambos me han olvidado
o quizá se aburrieron de mí…

Suicida,
A veces siento como mi dedo apunta a mi sien
donde sigue taladrando el silencio
hay noches que mis culpas atan una soga a mi cuello
pero son demasiado cobardes para terminar de apretar…

Volátil,
Soy como la bomba atada al cuerpo de un kamikaze
una granada de mano sin seguro
un inestable elemento químico apenas descubierto
un rompecabezas de piezas incompletas…

Claro todo esto solo lo he pensado, después de una pausa inclino la cabeza tratando de ser convincente mirando al infinito y digo:

- Bien, me siento bien…

volto já


A emissão sofrerá uma breve interrupção.
Retomarei logo que possivel...


"É tão bom começar a manhã com tudo o que queremos ser neste dia. Olhar sem medo pela janela, ensaiar uns passos fora da pele. Já não somos nós, nem mesmo é nosso o dia.Tropeçamos nos olhos espantados à voltado que vemos, precipitamo-nos para dentro e é tudo o pouco que fizemos. Dizemos que a pele é a nossa casa, enumeramos as assoalhadas, a arquitectura sólida, as vantagens de grades nas janelas. Depois fica-se triste até ao fim do dia. Há quem faça compras ou coma chocolate, quem diga mal de todos, quem não acorde a espreitar pela pele como ser outro, mas ele está a dois passos, a respiração, a temperatura, o olhar, o corpo móvel que se afasta levando o horizonte e só nos resta sonhar com a manhã seguinte e todos os dias - todos os dias - mentimos para dentro da pele."

PRINCÍPIOS DA MINHA NATUREZA (tomo I)



I

todos os meus gritos ao mundo são depositados num único pio de mocho.
e é o seu olhar penetrante que carrega a plena certeza de que esta minha noite - só esta - transporta a sina da eternidade.

II

dizem-me que a felicidade sussurrou por ai que me esperava mesmo debaixo de um lençol de chuva. num daqueles dias em que cada gota transporta um favo de mel. será seiva de vida para decorar a gula feliz dos meus lábios, em cada segundo da aventura erguida no calcorrear dos teus.

III

e que eu esteja envolto no turbilhão nascido da conversa das pétalas, enquanto abandonam o caule, sedentas da viagem alada, quando planam ao encontro de uma dança com a terra, onde a sua morte será o sacrifício para o nascimento do meu húmus.

estarei de volta, num erguer firme, sólido no odor da minha nova flor.



da minha janela vê-se uma espécie muito rara de angústia
tem o corpo que não ousei que me fosse
usa o amor como se fosse a origem da sede
e sossega-se contra o peito da alvorada

da minha janela vê-se uma espécie única de medo
chama-se eu mas diz-se tu
e por vezes nós quando prende a vida
a algo tão falível como a vida

da minha janela não se vê mais nada
ouve-se o silêncio contra mim
e chove morte contra os vidros
por dentro como soa o fim

Pedro Sena-Lino

SONHO


enquanto o tempo corre sofrego,penso em cada e todas as noites de luar que perdi sem que sequer a sombra de teu olhar repousasse perto de mim. e cedo ao desejo dos dias de ânsia que sonhei a paragem do meu tempo, erguendo cada palavra do meu verbo amar retirando a hipótese do fim ao caminho do meu sossego.



Sabes por vezes queria beijar-te. Sei que consentirias. Mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter- nos- íamos separado porque os beijos apagam o desejo quando consentidos. Foi melhor sabermos quanto nos queríamos, sem ousarmos sequer tocar nossos corpos. Hoje tenho pena. Parto com essa ferida. Tenho pena de não ter percorrido teu corpo como percorro os mapas, com os dedos teria viajado em ti do pescoço às mão da boca ao sexo. Tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro. Acordado perto de ti. As noites teriam sido de ouro e as mãos teriam guardado o sabor de teu corpo.

al berto

TEMPESTADE



quando dos teus lábios me sopras um adeus, mergulho célere na protecção da surdez.
neste filme, a despedida é sempre o prenúncio da nossa próxima dança.
nem que seja em mim. nem que seja na lembrança de cada gesto vampírico executado pela tua lágrima a desenhar o meu rosto, carrega toda a simbologia da tua posse em minha oferta, ninho da partilha, comunhão do aconchego.
sigo então os passos que dou, na antecipação do grito sonoro com que cortarão o vazio.
ecoam numa manifestação contrária à morte. a verdadeira.
a que acontece no volteio do respiro falso, exalado por quem se julga vivo e não passa de um singelo corpo carregado de mácula.

e no vidro da tua vida escorre a minha, contada na música das gotas de chuva.























Esta noite todos os quartos estão frios.
Entra pelas janelas a verdadeira imobilidade das árvores.
Em volta, nas paredes escurecidas, a infância mais antiga.
Um homem dissipa-se subitamente contra o luar.
Esse é o gesto que faz morrer os campos.
É o mesmo gesto que levanta um amor mútuo,
uma tontura de corpos atirados para uma
morada extrema.
Aqui se conhece o elo que une a terra
e as mãos e o sonho animal.
Porque o círculo das vozes é uma gravidez poderosa.

E há sempre vozes no interior das paredes,
subindo das fundações,
inchando toda a casa.

Em cada quarto um ser procura a presença do seu próprio rosto.


Vasco Gato


… O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e aos corpos de intermédio…



Affonso Romano de Sant'Anna

tomorrow


Parabéns Carlos!!!
Desejos de um dia simples (os melhores!)

hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira
na ladeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos
presos dentro das chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia...
jogos e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
é o brincar agitado do sol nas mãos das crianças descalças
hoje é dia de coisas simples

al berto

RENASCER



dotem de farto silêncio a plenitude dos vossos tímpanos, em continua prevenção de quebras de escuta.
comam ávidos os frutos da voz que vos chega erguida nos parâmetros do silêncio.
sintam como voa o seu fluxo, brotando num gemido, exalando numa súplica, pugnando em prece pela ousadia.
eis o desafio: pulsem para lá do bafo em cada simples respiro.


... Poderia dizer-te:
"É muito o que te posso dar.
Mas o que existe em mim será suficiente?"


... Apenas busco um ombro onde a cabeça
retome o exercício de acreditar.

Torquato Luz


"nesta noite tu estás como anúncio
PRECISA-SE
na página gasta da minha pele"

REVELAÇÃO




se me ofereces apenas a saudade, vejo-te em cores consumidas pelo preto.
se o vento me diz que te foste, deixo-me consumir pelo seu sopro.
então, cumpro o meu destino, herdeiro gélido do vazio e caio na noite como se fosse a névoa escura que me tolhe, num manto esmagador onde estala a firmeza da culpa, num grito mudo que me garante recusar a posteridade ao meu estertor.

o tempo virou mortalha onde me enlaço perdido, sem cordas vocais que entoem cânticos de lamento, sem músculos que se retesem, detendo o esvair da vida.
Morro porque já não acontece.

(…)

look


O que nos chama para dentro de nós mesmos é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta. Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar e nos torna piedosos, como quem já tem fé. Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida pelo movimento, pela forma, pelo nome, voltamos ao zero irradiante, ao ver o que foi grande, o que foi pequeno, aliás, o que não tem tamanho, mas está agora engrandecido dentro do novo olhar.

Fiama Hasse Pais Brandão

deus tem que ser substituído rapidamente por poemas,
sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio.
e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo,
e de acabar comigo mesmo.

a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas.
gosto do deserto, e do acaso da vida.
gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração,
ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário -
o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite.
basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro,
e mandar arrear o velame.
é isto que é preciso dizer:
daqui ninguém sai sem cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue.
chove torrencialmente.
o filme acabou.
não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto.
e, por vezes, ouço-os no transe da noite.
assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..
e nada escrevo.
o regresso à escrita terminou.
a vida toda fodida -
e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.

Al Berto

podemos sempre prende-las...


Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado. Elas alargam o cós das saias. Elas choram a vomitar na pia. Elas limpam a pia. Elas talham cueiros. Elas passam fitilhos de seda no melhor babeiro. Elas andam descalças que os pés já não cabem no calçado. Elas urram. Elas untam o mamilo gretado com um dedal de manteiga. Elas cantam baixinho a meio da noite a niná-los para que o homem não acorde. Elas raspam as fezes das fraldas com uma colher romba. Elas lavam. Elas carregam ao colo. Elas tiram o peito para fora debaixo de um sobreiro. Elas apuram o ouvido no escuro para ver se a gaiata na cama ao lado com os irmãos não dá por aquilo. Elas assoam. Elas lavam joelhos com água morna. Elas cortam calções e bibes de riscado. Elas mordem os beiços e torcem as mãos, a jorna perdida se o febrão não desce. Elas lavam os lençóis com urina. Elas abrem a risca do cabelo, elas entrelaçam. Elas compram a lousa e o lápis e a pasta de cartão. Elas limpam rabos. Elas guardam uma madeixita entre dois trapos de gaze. Elas talham um vestido de fioco para uma boneca de papelão escondida debaixo da cama. Elas lavam as cuecas borradas do primeiro sémen, do primeiro salário, da recruta. Elas pedem fiado popeline da melhor para a camisa que hão-de levar para a França, para Lisboa. Elas vêm trazer um borrego à primeira barraca e ao primeiro neto. Elas poupam no eléctrico para um carrinho de corda.
Maria Velho da Costa

Ad náuseam

Está la verdad atroz que nunca digo,
la andrajosa indumentaria de naufragio,
el asombroso devenir horizontal de la nostalgia,
el silencio acuoso y vertical de cada noche.

Está mi avariciosa soledad en interiores,
en el solemne refugio anquilosado de mi pecho,
la fragilidad reconocida en los pedazos,
la sed vertida en ausencia del exceso.

Está la desidia del tiempo festejado a gritos,
su huella de cuerda vocal en el vacío,
la palabra usada hasta la náusea.

Está la sombra deshojada de los árboles,
el frío acuchillado por la niebla,
la fecha inmaculada del destino.

Está la muerte descansando en entreacto,
el recuento en el carcaj
de las flechas escupidas al abismo.

Está la piel amurallada de distancias,
el recuerdo sangrando de las manos,
el deseo sin ti y mi sed recalcitrante.

Está todo,
y yo, y el olvido, ad náuseam.

Hoy que me acompaña la soledad

A veces me da por cazar tus letras por las noches, esas que te sobran y flotan en el viento como queriendo alcanzar una exclamación para decorar las paredes desnudas de mi habitación y formar entre ellas una poesía que te hable de mí.

Y si hoy me quedo muda y no me expreso más que con estos dedos que siguen guardando espinas podrías culparme?

Quizá simplemente intento distraer mis ojos a quienes sorprendo deseando soltar esas lágrimas que se quedan colgadas de mis pestañas, les cuento una historia para dormir mientras nos van comiendo los días.

Hoy no se si espero o estar aquí quieta mirando las estrellas es mi condición habitual, solo sé que me haces falta y se te ha olvidado pensar en mí antes de dormir, será por eso que por las noches me siento tan sola.




(Muitos Beijos!!!)


Nós vivemos na cidade quase sempre perdidos nas nossas pequenas razões. Estas ruas ainda prometem mais do que podem cumprir?A breve epifania do amor ou simplesmente um cúmplice que nos diga, à mesa de um café, que não faz mal, que pouco importam as perdas e danos que sofremos. De qualquer modo o mundo continua. Entre o medo e a esperança procuramos a nossa incerta morada e enquanto isso envelhecemos mais um dia, colhidos pelo tempo em plena queda. Nas praças, nos quintais, a noite aparece depois do jantar cheia de boas promessas, mas já vem condenada ao tropel dos crentes, ao cego movimento da manhã.
Rui Pires Cabral


Dir-te-ei quem sou,
houve um tempo,
tive um sonho,
lembro-me do teu rosto,
a tua voz já existia.

E ele atravessa a rua,
passando pelo tempo,
de pedra em pedra,
com um cigarro na mão
para pedir lume
ao cigarro alheio,
que brilha no outro lado,
ao cimo dos três degraus.

Vai ser assim:
dá-me lume, por favor?
e o cigarro encostar-se-á ao seu,
o lume passará de um para outro,
de uma pessoa para outra pessoa,
e então,
no meio da eternidade deserta,
será sim o dia de hoje.

Mas a noite é imensa,
quer dizer:
a noite do lugar e do tempo,
a noite da nossa solidão
é imensa,
e apenas um pequeno órgão vivo
palpita algures,vibra rapidamente,
e amortece-se e desaparece.

Então,uma vez mais
a noite se levanta de nós,
e o que estremece é a carne,
a nossa,
cega e desamparada
mas fremente
na sua cegueira e desamparo.

Sabes que estás só?
pergunta a carne à carne ,
sabes que a noite se ergueu de ti,
como se fosses o seu próprio
e único talento,
e que esse talento te cerca
como uma atmosfera,
o morto clima que transportas em ti,
de um lado para outro,
ao longo das pedras,
ao longo de todos os lugares do homem?

Ela sabe,
ou pelo menos
sabe que sabe.

E é demasiado.

Por isso,
olha e espera.

E vê de novo
a brasa que estremece
na escuridão
como uma planta
que crescesse e florescesse
na terra negra,
ou um animal
cujo calor abrisse uma brecha
no tempo frio.

A carne embriaga-se
com imprecisas metáforas de salvação
que salvação?!
com um movimento subterrâneo de analogias,
e ele diz:
vou pedir-lhe lume.

Vai através do bairro múltiplo,
o tempo que o escuro abafou,
e então
é como se fosse fora do tempo,
ou dentro de todo o tempo,
à procura do lume
para o seu cigarro.

Herberto Helder

CÂMARA ESCURA (tomo I)



...já não identifico cada suspiro que exalo, construído num doce salgar do suor, nos esgares de dor, essa filha parida na ausência.
como se queda, bem quieto numa paralisia hermética, o meu cansaço desistente. seguirá comprador dos passos meus que não ecoarão na tua estrada.
fico-me por este quarto. no escuro das pálpebras sem vontade muscular, possuídas por inteiro pela cegueira que me impede de saltar a tua janela.
cada parede uma metástase celular que me consome.
e tu aí tão perto, bem lá no mundo que me chora.

(...)