E tem a noite nos olhos, a jovem morena, e a noite às costas, como uma capa.

Ele corta com violência as cordas, primeiro a dos pés, depois a das mãos quentes com um impaciente sangue. E para terminar solta-lhe o peito. Sente bater nos dedos o primeiro sopro, como uma onda na margem.

E treme.

Rainer Maria Rilke





Não devias empurrar fogo tão solitário
sob os umbrais de uma morada
nos carreiros que vão dar aos montes
sairás ainda em súplica
quando os incêndios ignorarem a ameaça
da tua vassoura de giestas
a sombra uma vez avulsa
não retorna a mesma

Não despertes o que não podes calar


José Tolentino Mendonça





Let us escape
For a night
Breathe the silence
I am alone
But I am alone
In this room with you

Sharon Van Etten






















Aqui o mar é sono perpétuo, câmara para o mais terrível segredo.
Entro nele de mãos trémulas, certo das minhas cedências. 
Recordo o sabor salino de outras perdas, casas tombadas das quais sou solidária ruína.

Vasco Gato












Quando se viaja sozinho
pelas imagens que perduram
as evocações ganham um modo tão real
A mancha ténue dos arbustos
indica o caminho para o regresso
que nunca há
o mar ficou de repente perto
sobre esta praia travámos lutas
para as quais só muito depois
encontramos um motivo
era à pedrada que nos defendíamos
do riso mas inocente
ou de um amor

Mas aquilo que nunca esquecemos
deixa de pertencer-nos e nem notamos

Estamos sós com a noite
para salvar um coração


José Tolentino Mendonça







Iniciados cedo
nos mistérios da insónia
deixámo-nos ficar na cama
através da selva dos ruídos

Que inquietação me criou, se tudo era sossego e silêncio, medida e equilíbrio, repouso e eternidade



Ernesto Sampaio








A sul de nenhum norte...



- Quando é que isto começou?
- Isto, o quê?
- Isto.

- O amor? 
- Talvez.
- O amor?
- Sim, pode ser isso. Quando é que o amor começou?
- Começou antes de ter começado.
- E depois?
- E depois não acabou quando devia acabar. Durou mais tempo. O coração bate mais tempo. Não há maneira de parar o coração.

Pedro Paixão




Aqui me tens, conivente com o sol
neste incêndio do corpo até ao fim:
as mãos tão ávidas no seu voo,
a boca que se esquece no teu peito
de envelhecer e sabe ainda recusar.

Eugénio de Andrade