Ad náuseam

Está la verdad atroz que nunca digo,
la andrajosa indumentaria de naufragio,
el asombroso devenir horizontal de la nostalgia,
el silencio acuoso y vertical de cada noche.

Está mi avariciosa soledad en interiores,
en el solemne refugio anquilosado de mi pecho,
la fragilidad reconocida en los pedazos,
la sed vertida en ausencia del exceso.

Está la desidia del tiempo festejado a gritos,
su huella de cuerda vocal en el vacío,
la palabra usada hasta la náusea.

Está la sombra deshojada de los árboles,
el frío acuchillado por la niebla,
la fecha inmaculada del destino.

Está la muerte descansando en entreacto,
el recuento en el carcaj
de las flechas escupidas al abismo.

Está la piel amurallada de distancias,
el recuerdo sangrando de las manos,
el deseo sin ti y mi sed recalcitrante.

Está todo,
y yo, y el olvido, ad náuseam.

Hoy que me acompaña la soledad

A veces me da por cazar tus letras por las noches, esas que te sobran y flotan en el viento como queriendo alcanzar una exclamación para decorar las paredes desnudas de mi habitación y formar entre ellas una poesía que te hable de mí.

Y si hoy me quedo muda y no me expreso más que con estos dedos que siguen guardando espinas podrías culparme?

Quizá simplemente intento distraer mis ojos a quienes sorprendo deseando soltar esas lágrimas que se quedan colgadas de mis pestañas, les cuento una historia para dormir mientras nos van comiendo los días.

Hoy no se si espero o estar aquí quieta mirando las estrellas es mi condición habitual, solo sé que me haces falta y se te ha olvidado pensar en mí antes de dormir, será por eso que por las noches me siento tan sola.




(Muitos Beijos!!!)


Nós vivemos na cidade quase sempre perdidos nas nossas pequenas razões. Estas ruas ainda prometem mais do que podem cumprir?A breve epifania do amor ou simplesmente um cúmplice que nos diga, à mesa de um café, que não faz mal, que pouco importam as perdas e danos que sofremos. De qualquer modo o mundo continua. Entre o medo e a esperança procuramos a nossa incerta morada e enquanto isso envelhecemos mais um dia, colhidos pelo tempo em plena queda. Nas praças, nos quintais, a noite aparece depois do jantar cheia de boas promessas, mas já vem condenada ao tropel dos crentes, ao cego movimento da manhã.
Rui Pires Cabral


Dir-te-ei quem sou,
houve um tempo,
tive um sonho,
lembro-me do teu rosto,
a tua voz já existia.

E ele atravessa a rua,
passando pelo tempo,
de pedra em pedra,
com um cigarro na mão
para pedir lume
ao cigarro alheio,
que brilha no outro lado,
ao cimo dos três degraus.

Vai ser assim:
dá-me lume, por favor?
e o cigarro encostar-se-á ao seu,
o lume passará de um para outro,
de uma pessoa para outra pessoa,
e então,
no meio da eternidade deserta,
será sim o dia de hoje.

Mas a noite é imensa,
quer dizer:
a noite do lugar e do tempo,
a noite da nossa solidão
é imensa,
e apenas um pequeno órgão vivo
palpita algures,vibra rapidamente,
e amortece-se e desaparece.

Então,uma vez mais
a noite se levanta de nós,
e o que estremece é a carne,
a nossa,
cega e desamparada
mas fremente
na sua cegueira e desamparo.

Sabes que estás só?
pergunta a carne à carne ,
sabes que a noite se ergueu de ti,
como se fosses o seu próprio
e único talento,
e que esse talento te cerca
como uma atmosfera,
o morto clima que transportas em ti,
de um lado para outro,
ao longo das pedras,
ao longo de todos os lugares do homem?

Ela sabe,
ou pelo menos
sabe que sabe.

E é demasiado.

Por isso,
olha e espera.

E vê de novo
a brasa que estremece
na escuridão
como uma planta
que crescesse e florescesse
na terra negra,
ou um animal
cujo calor abrisse uma brecha
no tempo frio.

A carne embriaga-se
com imprecisas metáforas de salvação
que salvação?!
com um movimento subterrâneo de analogias,
e ele diz:
vou pedir-lhe lume.

Vai através do bairro múltiplo,
o tempo que o escuro abafou,
e então
é como se fosse fora do tempo,
ou dentro de todo o tempo,
à procura do lume
para o seu cigarro.

Herberto Helder

CÂMARA ESCURA (tomo I)



...já não identifico cada suspiro que exalo, construído num doce salgar do suor, nos esgares de dor, essa filha parida na ausência.
como se queda, bem quieto numa paralisia hermética, o meu cansaço desistente. seguirá comprador dos passos meus que não ecoarão na tua estrada.
fico-me por este quarto. no escuro das pálpebras sem vontade muscular, possuídas por inteiro pela cegueira que me impede de saltar a tua janela.
cada parede uma metástase celular que me consome.
e tu aí tão perto, bem lá no mundo que me chora.

(...)


Pouco mais há a dizer. Caminho largando os últimos resíduos da memória. Fragmentos de noite escritos com o coração a pressentir as catástrofes do mundo. A grande solidão é um lugar branco povoado de mitos, de tristezas e de alegria. Mas estou quase sempre triste. Por exemplo, no fundo deste poço vi inclinar-se a sombra adolescente que fui. Água lunar, canaviais, luminosos escaravelhos. Este sol queimando a pele das plantas. Caminho pelos textos e reparo em tudo isto. O que começo deixo inacabado, como deixarei a vida, tenho a certeza, inacabada. O mundo pertenceu-me, a memória revela-me essa herança, esse bem. Hoje, apenas sinto o vento reacender feridas, nada possuo, nem sequer o sofrimento. Outra memória vai tomando forma, assusta-me. Ainda quase nada aconteceu e já envelheci tanto. Um jogo de estilhaços é tudo o que possuo, a memória que vem ainda não tem a dor dentro dela. As fotografias e os textos, teu rosto, poderiam projectar-me para um futuro mais feliz, ou contarem-me os desastres dos recomeçados regressos. Mas, quando mais tarde conseguir reparar que a vida vibrou em mim, um instante, terei a certeza de que nada daquilo me pertenceu. Nem mesmo a vida, nenhuma morte. Na mesma posição, reclinado sobre meu frágil corpo, recomeço a escrever. Estou de novo ocupado em esquecer-me. A escrita é precária morada para o vaguear do coração. Resta-me a perturbação de ter atravessado os dias, humildemente, sem queixumes. Anoitece ou amanhece, tanto faz.
Al Berto


Ah este é o meu destino
este é o meu destino
o meu destino é
um céu que desaparece com a queda de uma cortina
o meu destino é
despenhar-me no voo de estrelas agora inúteis
reconquistar qualquer coisa no meio da putrefacção e da nostalgia
o meu destino é um passeio triste no jardim das memórias
e morrer na dor de uma voz que me diz eu amo as tuas mãos.

(...)

Há um beco
onde os rapazes que se apaixonaram por mim
se demoram ainda com o mesmo cabelo despenteado
os mesmos pescoços finos e as mesmas pernas magras
e pensam nos sorrisos inocentes de uma rapariga
que foi levada pelo vento uma noite.
Há um beco
que o meu coração roubou
às ruas da minha infância.

A viagem de uma forma na linha do tempo
fecundando a linha do tempo com a forma
uma forma consciente de uma imagem
a regressar de uma carícia num espelho.
E é desta maneiraque alguém morre
e alguém segue vivendo.

Nenhum pescador jamais achará uma pérola num pequeno regato
que se esvazia num lago.

Eu conheço uma pequena e triste fada
que vive num oceano
e toca a flauta mágica do seu coração
suave, suavemente
pequena e triste fada
que morre com um beijo todas as noites
e com um beijo renasce a cada amanhecer.

Forough Farrokhzad

quero-me na estampa fluorescente que ilumina o teu sorriso dócil, na onda que bate e quebra uma noz à borda de água sem roer a casca ou apertar o peito. quero a mão do ancião, áspera e serena, contrária a esta sinfonia wagneriana onde tudo é devasso e em rompante. quero saber de nada, melhor, não me preocupar com tudo. quero voltar à nossa rua, aquela do antigamente, d'outros anos. aquela onde as velhas não se punham à janela o dia todo e não mexericavam sobre o dia-a-dia dos outros com inveja da sua juventude. naquela rua existia a proximidade com a forma do teu rosto, liam-se as palavras ao contrário e soletrava-se em respeito a confidência que faz correr os dias NUM ÁPICE.
pena que não me lembre do caminho, que tenha perdido o mapa...

Um dia é maior do que a soma das suas horas, às vezes comporta todos os invernos e as estações assombradas pelos prejuízos do prazer. Eu e tu, que desculpa ainda nos justifica? A cidade não foi feita para as nossas pretensões, está apenas alastrada por dentro de nós, crispação de pedras e espinhos no laço desfeito entre as veias. Adiantamos o corpo aos rolamentos da noite, é a própria razão que nos ilumina os atalhos para o esquecimento. Um ano inteiro não será suficiente para tudo o que não nos acontece.
Rui Pires Cabral