still...




Creio no incrível, nas coisas assombrosas, 
Na ocupação do mundo pelas rosas, 
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen. 

Natália Correia


todos dormem dentro de caixas,
uma serpente flutua,
falamos baixinho
não se ouvem mais barulhos de cidade
o sono e o cansaço subiram-me à boca
... movemo-nos lentamente para fora de nossos corpos e devastamos,

devastamos...

Al Berto



E as pequenas estrelas caem agora dos ramos das oliveiras

Ezra Pound



fuck it all...



Olhos inchados, repousei,
pálpebras a fechar, escuridão inconsciente.

Ezra Pound



a sul de nenhum norte...








se na tua distância
existe um entendimento
na minha lenta cedência
existe um rasto de medo


Maria Teresa Horta



How did it get so late so soon?
Dr. Seuss







Tu olhas para mim
através do halo da última vela
e dizes que o amor é um mal que nunca
traz a bonança, uma tempestade que não sopra nada de bom,

mas eu estou aqui para te lembrar,
enquanto as nossas sombras tremem nas paredes,
que o amor é o pássaro madrugador que mais vale chegar tarde do que nunca.


Billy Collins

a sul de nenhum norte...
















We are all broken, that's how the light gets in.

Ernest Hemingway






Nenhum rosto
nos pode consolar
do que é inventado

não
não amamos como as flores
totalmente simples

O desejo
violenta
tudo
fere
o ermo íntimo do nosso coração
Ana Hatherly




Transfigurados pelo desejo
fitamos as estrelas

Ana Hatherly



a sul de nenhum norte...





Where the myth fails, human love begins. Then we love a human being, not our dream, but a human being with flaws.

Anais Nin







Somos sobreviventes. A vida que quisemos, não a tivemos. Aquela que temos, não a escolhemos. Veio-se-nos. Faltou-nos só uma vocação, essa para vivermos a única vida que realmente nos importava. Todas as outras permanecem para sempre marcadas por um selo de morte e insuficiência. O tempo que resta, passamo-lo a tentar digerir esse monstruoso fracasso, a evitar transformarmo-nos a nós próprios em monstros de ressentimento. Não, nos não queríamos ser humanos. E agora, não queremos outra coisa, à falta daquilo em que não fomos capazes de nos tornar

Bénédicte Houart










dias em que não nos bastamos...    

a sul de nenhum norte...




This is what I miss… not something that’s gone, but something that will never happen.


Margaret Atwood




I usually solve my problems by letting them devour me.

Franz Kafka









A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.

Manoel de Barros






a sul de nenhum norte...








Não vai doer. É bater de frente com a morte. Olhar a silhueta das asas de um anjo. Ácido na língua. Mãos apertadas nos joelhos à espera da solução para os vícios. Não dói nada. Sou uma fada de botas da tropa. É o meu delírio sempre a horas certas dentro de um aquário híbrido. Estranhar ser pessoa. Estranhar ter crescido. Ter de ser crescida. Sem pele. Coleccionadora de vestidos que não posso vestir. É incrível como a torre pode cair. Devia, antes de saber se caio, demolir um assunto grande. Só para assistir à cadência. Como com as estrelas, mas sem desejar. Não vai doer. É só uma luz muito aguda.



Patrícia Baltazar




and the whiskey and wine entered our veins 
when blood was too weak to carry on…

Charles Bukowski






She demands illusion as other women demand jewels.

Henry Miller




o meu relógio de amar parou em cima da mesa

Mário Cesariny



a sul de nenhum norte...






temos o voo do coração na ponta dos dedos
na garganta ficou-nos um travo acetinado de corpos
um rasto prateado de correrias pela cidade

Al Berto






a vida toda fodida -
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.


a dor de todas as ruas vazias.

Al Berto



Porque foi dito : ele não
andava a fugir. andava à procura.
das estrelas. talvez.
testava. quão fundo podia ir.
através acima e sobre.


Patti Smith



a sul de nenhum norte...






é preciso, às vezes, não acordar o silêncio.

Albano Martins








Please...please, make haste...








Noite dentro, os corpos contra as balaustradas do mar, embriagados, vão falando de amor.

Al Berto 




mas se a noite vier
cheia de luzes ilegíveis de véus
de relógios parados - ergue as asas
fere o ar que te sufoca e não te mexas
para que eu fique a ver-te estilhaçar
aquilo que penso e já não escrevo - aquilo
que perdeu o nome e se bebe como cicuta
junto ao precipício e à beleza do teu corpo (...)

Al Berto


a sul de nenhum norte...







One day I woke up
and we no longer spoke
the same language.

Hishaam Siddiqi





She was waiting, but she didn't know for what. She was aware only of her solitude, and of the penetrating cold, and of a greater weight in the region of her heart.

Albert Camus





e tu sussurras:
- não, não afastes a boca da minha orelha.
derrama dentro dela aquilo que não consegues dizer em voz alta.
e eu digo:
- as tuas mãos queimam-me a fala.
tu sorris, dizes:
- vem , sem medo, pela aridez do meu corpo. 
no fundo de mim existe um poço onde guardo a tua imagem.
é tempo de ta devolver. 
é tempo de te reconheceres nela.


Al Berto


a sul de nenhum norte...





O tempo de sedução terminou. Terás de me tocar, terás de trocar o tacto dos olhos pelo tacto dos dedos. Apenas persistirá o jogo, a cumplicidade, e uma ténue vibração do corpo que se perdeu contra o meu corpo.

Al Berto



explicar com palavras deste mundo que partiu de mim um barco levando-me

Alejandra Pizarnik







Fala-me tu do Amor e dessa coisa esquisita que é o tempo com quatro dedos de distância entre o ardor das línguas e a asfixia dos corpos. 

Fala-me tu do Amor e desse desejo que arrasta a proximidade que anula todos os intervalos em pequenas existências que de tão insignificantes desaparecem numa doçura e amargura.

Conta-me do constante faz e refaz, de ressuscitar e morrer, de adormecer e sonhar, do conforto da luz dos dias na realidade que nos mata. Porque do Amor também se morre e também se vive, como alimentação programada às calorias necessárias para respondermos.


Al Berto

a sul de nenhum norte...








o tojo abundava nas vertentes,
havia as rochas, os montes amarelos,
o rumor fundo dos bichos na arcadura
das chãs.

entre o meu silêncio e o teu
cresceu um verso com a tua boca
perto dos meus sentidos.

sabíamos que a chuva regressaria
eventualmente. as tuas cartas
ainda as tenho.

Rui Pires Cabral








Há uma desproporção enorme entre a minha urgência e a lentidão de tudo.

Vergílio Ferreira




Não ranjo. Não sangro. Não choro. Não peço. Não morro.
A não ser que me sobrevenha uma embolia ao baralho. Ao caralho.
Por isso, conservo-me em álcool. Como os miúdos fazem às cobras.
O formol é para os Deuses.

Miguel Martins




a sul de nenhum norte...







Nunca encontrei mulher mais cobarde do que eu. 
Recapitulo: mulheres que estão à espera como eu, não, nenhuma é assim tão cobarde.

Margueritte Duras






Todos os caminham levam à morte. Perca-se.

Jorge Luís Borges







Porque era este lugar
que eu precisava agora
como em deserto até
ao infinito...

Ana Luísa Amaral



no one knows...





Duas horas da manhã. Os ratos procuram nos caixotes os restos do dia morto: a cidade pertence aos fantasmas, aos assassinos, aos sonâmbulos. Onde estás tu, em que leito, em que sonho? Se te encontrasse, tu passarias sem me ver pois não somos vistos pelos nossos sonhos. Não tenho fome: esta noite não consigo digerir a minha vida. Estou cansada: caminhei toda a noite para semear a tua recordação. Não tenho sono: nem sequer tenho apetite da morte. Sentada num banco, embrutecida apesar de tudo pela aproximação da manhã, deixo de me lembrar que te procuro esquecer. Fecho os olhos... os ladrões não querem senão os nossos anéis, os amantes a carne, os pregadores as nossas almas, os assassinos a vida. Podem tirar-me a minha: desafio-os a nada lhe mudar. Inclino a cabeça para ouvir por cima de mim o remexer das folhas... Estou num bosque, num campo... É a hora em que o Tempo se disfarça de varredor e Deus talvez em trapeiro. Ele avarento, ele teimoso, ele que não consente que se perca uma pérola nos montes de cascas de ostras às portas das tabernas. Pai nosso que estais no céu... Verei alguma vez vir sentar-se a meu lado um velho de sobretudo castanho, com os pés enlameados por ter tido, para me alcançar, de atravessar sabe Deus que rio? Ele deixar-se-ia cair no banco, tendo na mão fechada um presente muito precioso que seria o bastante para tudo mudar. Abriria os dedos lentamente, um após outro, muito prudentemente, por que aquilo foge... Que seguraria ele? Uma ave, um germe, uma faca, uma chave para abrir a lata de conserva do coração?

marguerite yourcenar