autópsia de Mia
CACAU
sempre que venero teus contornos únicos.
diz-me o mundo que será a névoa do sonho,
digo-lhe que é a minha vontade cumprida,
num hino à antecipação.
"Mulata", Pintura de Claudia Perotti
Acrílico sobre cartão - 12/09/2007
0,70 x 0,50 m
autópsia de Joaquim Amândio Santos
Catarina de Almeida
autópsia de Mia
autópsia de Mia
REBENTAÇÃO
a salinidade imaginária
dá um alento redobrado ao mel dos nossos sentidos.
torna-o prolífero num farto desejo
desaguando em ti
cada gota cristalina do meu mar.
autópsia de Joaquim Amândio Santos
Esta cidade, chamada Igualdade, chamada Utopia
I
Ergue-se a tua voz, cidade.
Diz-me que a verdade não está na terra do nunca.
Pulsas por cá, sem que o teu betão seja surdo, somente cimento, pálido no seu cinzento,
Não sendo tormento sem lugar à humanidade!
Nesta cidade
Estou, sem querer uma estada sem Ti, na ausência de todos.
Assim se construirá a nossa luta pela partilha, tecida nas malhas do consenso,
sem voltar nunca as costas ao desafio da fragilidade.
O lugar a todos torna-te cidade lar de cada um.
II
E se te consome o frio, quando assola, seja meu o cobertor do teu aconchego.
E se obedece à míngua o pão teu, que essa seja saciada pela metade do que levo à boca,
quase sempre em demasia.
E à falta de trabalho para Ti, que eu te abra uma porta, sem medo cego de que o teu sopro de felicidade seja vento gélido para o meu sucesso
E que a dita tua deficiência seja razão para o profundo carinho da minha devoção.
Que as chagas da tua doença mirrem sob os auspícios do mais terno cuidado.
E que nesta cidade, venha o dia, nos dias todos,
Em que a tua mão estendida assim seja para apertar a minha,
nunca como súplica da vida que te foge!
III
Nesta cidade ergue-se ufana a vontade do arco-íris.
Pulsam, sem mácula, todos os tons, todas as nunces que o preenchem.
Nesta cidade é grande a vontade de jamais submergir ao triste domínio do preto e do branco.
Sem negritude mortal, numa ausência da palidez cínica, construímos um ninho sem fim.
E quando minha língua não entender a tua,
Erguemos o nosso entendimento na universalidade de um sorriso.
IV
Esta cidade chamada igualdade,
Nunca responderá ao chamamento da exclusão!
Ermesinde, 23 de Outubro de 2007
TEXTO OFICIAL DO ARRANQUE DO "ROAD SHOW" IGUALDADE PARA TODOS,
PROMOVIDO PELA UNIÃO EUROPEIA
©2007, joaquim amândio santos e negratinta editorial
photo by
©2007 PEDRO MOREIRA
autópsia de Joaquim Amândio Santos
autópsia de Mia
autópsia de Mia
enquanto dedilho esta peça de metal cantante,
penso em todos os uivos dos meus mundos que desafiaram a minha lua!
Na cadência musical das palavras,
a voracidade do apetite. sem tréguas.
e rezarei na protecção nascida nesta unicidade com todos.
que nunca o meu farto silêncio se torne refém de um vazio parasita.
autópsia de Joaquim Amândio Santos
"em amanheceres onde tudo o que foi ferido
ainda há doçura no interior da boca
dispo-me de ti com o vento a atravessar a pele
fomos feitos de copiar dos dias o que perdemos
a respiração compromete a ausência
afinal somos feitos de regressos"
autópsia de Mia
autópsia de Mia
António Lobo Antunes
autópsia de Mia
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autópsia de Mia
autópsia de Mia
ela disse: às vezes penso que o destino cruza caminhos em tempos errados. desejamos pessoas nos tempos errados. sentimos saudades quando já é tarde.
ele disse: talvez porque precisamos de ser avisados constantemente que podemos mudar de trajectória.
ela disse: talvez porque mesmo que sentados aqui, para sempre, possamos acreditar que podíamos estar em outro lugar, e sermos completamente diferentes."
autópsia de Mia
autópsia de Mia
ORAÇÃO
autópsia de Mia
MUSA
sacodem a solidão, por entre as migalhas de poeira, cada um dos passos firmes num passeio solitário.
para lá da estrutura auditiva, o ninho de palavras de um escritor sorve todos os ruídos que volteiam no mesmo mundo das cores, na mesma dimensão dos animais, plantas, construções e pedaços de natureza que se espalham ao longo da vida desse percurso.
eis o que pulsa no fervor da escrita.
cada página um campo de batalha, cada palavra uma adaga desse convicto vampiro do mundo de todos, de todos quantos agora foram sorvidos pelo seu mundo!
shiuu....
autópsia de Mia
Juan Luis Panero
autópsia de Mia
INFORMAÇÃO
Caro(a)s Bloggers,
A NEGRA TINTA EDITORIAL tem o grato prazer de lançar a obra “CÂMARA ESCURA (revelação), do poeta Joaquim Amândio Santos, com prefácio de António Lobo Xavier.
Sendo esta obra mais um trabalho nascido de um escritor cuja carreira foi lançada na blogosfera, a exemplo das edições previstas e possíveis no futuro próximo desta editora, será importante contarmos
Nesse sentido, solicitávamos indicação de morada ou preferência por receber o convite por mail para negratinta@gmail.com, bem como qual dos eventos escolhem para nos honrar com a sua presença.
Lançamento e Apresentações:
31 de Maio Funchal
8 de Junho Penafiel
14 de Junho FNAC Norteshopping, Porto
28 de Junho FNAC Chiado, Lisboa
5 de Julho FNAC Coimbra
Aproveitámos ainda para solicitar que qualquer manuscrito que entendam colocar à consideração desta editora para possível publicação, seja enviado por este mail, ao meu cuidado, estando previsto editarmos até 4 obras, nascidas na blogosfera, até Março de 2008.
Saudações Literárias,
Edições e Comunicação
NEGRA TINTA EDITORIAL
era assim...
Era assim:
autópsia de Mia
Volátil
-¿ Y como te sientes hoy?
A veces me siento como si estuviera parada al borde de un precipicio
donde te da más miedo caer hacia el cielo con los ojos cerrados
vértigo invertido…
Con este frío que cala sobre todo por las noches
cuando la soledad pone una silla cerca de mi cabecera
y se pone a contar uno a uno mis temores
Ansiosa,
Como cuando sueñas con el mar embravecido
y no recuerdas como nadar…
Esperando,
Ya no se si es eso o es mera inercia
a veces simplemente no quiero moverme
para no volver a caer
cuando lo único que caen son gotas de mis ojos
pero no se lo digas…
En cuanto a la ausencia que han dejado en mi almohada
del sonido de su voz o de sus letras
siento que ambos me han olvidado
o quizá se aburrieron de mí…
Suicida,
A veces siento como mi dedo apunta a mi sien
donde sigue taladrando el silencio
hay noches que mis culpas atan una soga a mi cuello
pero son demasiado cobardes para terminar de apretar…
Volátil,
Soy como la bomba atada al cuerpo de un kamikaze
una granada de mano sin seguro
un inestable elemento químico apenas descubierto
un rompecabezas de piezas incompletas…
Claro todo esto solo lo he pensado, después de una pausa inclino la cabeza tratando de ser convincente mirando al infinito y digo:
- Bien, me siento bien…
autópsia de Mia
PRINCÍPIOS DA MINHA NATUREZA (tomo I)
I
todos os meus gritos ao mundo são depositados num único pio de mocho.
e é o seu olhar penetrante que carrega a plena certeza de que esta minha noite - só esta - transporta a sina da eternidade.
II
dizem-me que a felicidade sussurrou por ai que me esperava mesmo debaixo de um lençol de chuva. num daqueles dias em que cada gota transporta um favo de mel. será seiva de vida para decorar a gula feliz dos meus lábios, em cada segundo da aventura erguida no calcorrear dos teus.
III
e que eu esteja envolto no turbilhão nascido da conversa das pétalas, enquanto abandonam o caule, sedentas da viagem alada, quando planam ao encontro de uma dança com a terra, onde a sua morte será o sacrifício para o nascimento do meu húmus.
estarei de volta, num erguer firme, sólido no odor da minha nova flor.
da minha janela vê-se uma espécie muito rara de angústia
tem o corpo que não ousei que me fosse
usa o amor como se fosse a origem da sede
e sossega-se contra o peito da alvorada
da minha janela vê-se uma espécie única de medo
chama-se eu mas diz-se tu
e por vezes nós quando prende a vida
a algo tão falível como a vida
da minha janela não se vê mais nada
ouve-se o silêncio contra mim
e chove morte contra os vidros
por dentro como soa o fim
Pedro Sena-Lino
autópsia de Mia
SONHO
Sabes por vezes queria beijar-te. Sei que consentirias. Mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter- nos- íamos separado porque os beijos apagam o desejo quando consentidos. Foi melhor sabermos quanto nos queríamos, sem ousarmos sequer tocar nossos corpos. Hoje tenho pena. Parto com essa ferida. Tenho pena de não ter percorrido teu corpo como percorro os mapas, com os dedos teria viajado em ti do pescoço às mão da boca ao sexo. Tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro. Acordado perto de ti. As noites teriam sido de ouro e as mãos teriam guardado o sabor de teu corpo.
al berto
autópsia de Mia
TEMPESTADE
quando dos teus lábios me sopras um adeus, mergulho célere na protecção da surdez.
neste filme, a despedida é sempre o prenúncio da nossa próxima dança.
nem que seja em mim. nem que seja na lembrança de cada gesto vampírico executado pela tua lágrima a desenhar o meu rosto, carrega toda a simbologia da tua posse em minha oferta, ninho da partilha, comunhão do aconchego.
sigo então os passos que dou, na antecipação do grito sonoro com que cortarão o vazio.
ecoam numa manifestação contrária à morte. a verdadeira.
a que acontece no volteio do respiro falso, exalado por quem se julga vivo e não passa de um singelo corpo carregado de mácula.
e no vidro da tua vida escorre a minha, contada na música das gotas de chuva.
Esta noite todos os quartos estão frios.
Entra pelas janelas a verdadeira imobilidade das árvores.
Em volta, nas paredes escurecidas, a infância mais antiga.
Um homem dissipa-se subitamente contra o luar.
Esse é o gesto que faz morrer os campos.
É o mesmo gesto que levanta um amor mútuo,
uma tontura de corpos atirados para uma
morada extrema.
Aqui se conhece o elo que une a terra
e as mãos e o sonho animal.
Porque o círculo das vozes é uma gravidez poderosa.
E há sempre vozes no interior das paredes,
subindo das fundações,
inchando toda a casa.
Em cada quarto um ser procura a presença do seu próprio rosto.
Vasco Gato
autópsia de Mia
autópsia de Mia
tomorrow
hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira
na ladeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos
presos dentro das chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia...
jogos e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
é o brincar agitado do sol nas mãos das crianças descalças
hoje é dia de coisas simples
al berto
autópsia de Mia
RENASCER
dotem de farto silêncio a plenitude dos vossos tímpanos, em continua prevenção de quebras de escuta.
comam ávidos os frutos da voz que vos chega erguida nos parâmetros do silêncio.
sintam como voa o seu fluxo, brotando num gemido, exalando numa súplica, pugnando em prece pela ousadia.
eis o desafio: pulsem para lá do bafo em cada simples respiro.
autópsia de Mia
autópsia de Mia
autópsia de Mia
REVELAÇÃO
se me ofereces apenas a saudade, vejo-te em cores consumidas pelo preto.
se o vento me diz que te foste, deixo-me consumir pelo seu sopro.
então, cumpro o meu destino, herdeiro gélido do vazio e caio na noite como se fosse a névoa escura que me tolhe, num manto esmagador onde estala a firmeza da culpa, num grito mudo que me garante recusar a posteridade ao meu estertor.
o tempo virou mortalha onde me enlaço perdido, sem cordas vocais que entoem cânticos de lamento, sem músculos que se retesem, detendo o esvair da vida.
Morro porque já não acontece.
(…)
look
Fiama Hasse Pais Brandão
autópsia de Mia
deus tem que ser substituído rapidamente por poemas,
sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.
a dor de todas as ruas vazias.
sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio.
e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo,
e de acabar comigo mesmo.
a dor de todas as ruas vazias.
mas gosto da noite e do riso de cinzas.
gosto do deserto, e do acaso da vida.
gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração,
ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
a dor de todas as ruas vazias.
pois bem, mário -
o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite.
basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro,
e mandar arrear o velame.
é isto que é preciso dizer:
daqui ninguém sai sem cadastro.
a dor de todas as ruas vazias.
sujo os olhos com sangue.
chove torrencialmente.
o filme acabou.
não nos conheceremos nunca.
a dor de todas as ruas vazias.
os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto.
e, por vezes, ouço-os no transe da noite.
assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..
e nada escrevo.
o regresso à escrita terminou.
a vida toda fodida -
e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias.
Al Berto
autópsia de Mia
podemos sempre prende-las...
autópsia de Mia
Ad náuseam
Está la verdad atroz que nunca digo,
la andrajosa indumentaria de naufragio,
el asombroso devenir horizontal de la nostalgia,
el silencio acuoso y vertical de cada noche.
Está mi avariciosa soledad en interiores,
en el solemne refugio anquilosado de mi pecho,
la fragilidad reconocida en los pedazos,
la sed vertida en ausencia del exceso.
Está la desidia del tiempo festejado a gritos,
su huella de cuerda vocal en el vacío,
la palabra usada hasta la náusea.
Está la sombra deshojada de los árboles,
el frío acuchillado por la niebla,
la fecha inmaculada del destino.
Está la muerte descansando en entreacto,
el recuento en el carcaj
de las flechas escupidas al abismo.
Está la piel amurallada de distancias,
el recuerdo sangrando de las manos,
el deseo sin ti y mi sed recalcitrante.
Está todo,
y yo, y el olvido, ad náuseam.
Hoy que me acompaña la soledad
A veces me da por cazar tus letras por las noches, esas que te sobran y flotan en el viento como queriendo alcanzar una exclamación para decorar las paredes desnudas de mi habitación y formar entre ellas una poesía que te hable de mí.
Y si hoy me quedo muda y no me expreso más que con estos dedos que siguen guardando espinas podrías culparme?
Quizá simplemente intento distraer mis ojos a quienes sorprendo deseando soltar esas lágrimas que se quedan colgadas de mis pestañas, les cuento una historia para dormir mientras nos van comiendo los días.
Hoy no se si espero o estar aquí quieta mirando las estrellas es mi condición habitual, solo sé que me haces falta y se te ha olvidado pensar en mí antes de dormir, será por eso que por las noches me siento tan sola.
(Muitos Beijos!!!)
Nós vivemos na cidade quase sempre perdidos nas nossas pequenas razões. Estas ruas ainda prometem mais do que podem cumprir?A breve epifania do amor ou simplesmente um cúmplice que nos diga, à mesa de um café, que não faz mal, que pouco importam as perdas e danos que sofremos. De qualquer modo o mundo continua. Entre o medo e a esperança procuramos a nossa incerta morada e enquanto isso envelhecemos mais um dia, colhidos pelo tempo em plena queda. Nas praças, nos quintais, a noite aparece depois do jantar cheia de boas promessas, mas já vem condenada ao tropel dos crentes, ao cego movimento da manhã.
Rui Pires Cabral
autópsia de Mia
Dir-te-ei quem sou,
houve um tempo,
tive um sonho,
lembro-me do teu rosto,
a tua voz já existia.
E ele atravessa a rua,
passando pelo tempo,
de pedra em pedra,
com um cigarro na mão
para pedir lume
ao cigarro alheio,
que brilha no outro lado,
ao cimo dos três degraus.
Vai ser assim:
dá-me lume, por favor?
e o cigarro encostar-se-á ao seu,
o lume passará de um para outro,
de uma pessoa para outra pessoa,
e então,
no meio da eternidade deserta,
será sim o dia de hoje.
Mas a noite é imensa,
quer dizer:
a noite do lugar e do tempo,
a noite da nossa solidão
é imensa,
e apenas um pequeno órgão vivo
palpita algures,vibra rapidamente,
e amortece-se e desaparece.
Então,uma vez mais
a noite se levanta de nós,
e o que estremece é a carne,
a nossa,
cega e desamparada
mas fremente
na sua cegueira e desamparo.
Sabes que estás só?
pergunta a carne à carne ,
sabes que a noite se ergueu de ti,
como se fosses o seu próprio
e único talento,
e que esse talento te cerca
como uma atmosfera,
o morto clima que transportas em ti,
de um lado para outro,
ao longo das pedras,
ao longo de todos os lugares do homem?
Ela sabe,
ou pelo menos
sabe que sabe.
E é demasiado.
Por isso,
olha e espera.
E vê de novo
a brasa que estremece
na escuridão
como uma planta
que crescesse e florescesse
na terra negra,
ou um animal
cujo calor abrisse uma brecha
no tempo frio.
A carne embriaga-se
com imprecisas metáforas de salvação
que salvação?!
com um movimento subterrâneo de analogias,
e ele diz:
vou pedir-lhe lume.
Vai através do bairro múltiplo,
o tempo que o escuro abafou,
e então
é como se fosse fora do tempo,
ou dentro de todo o tempo,
à procura do lume
para o seu cigarro.
Herberto Helder
autópsia de Mia
CÂMARA ESCURA (tomo I)
...já não identifico cada suspiro que exalo, construído num doce salgar do suor, nos esgares de dor, essa filha parida na ausência.
como se queda, bem quieto numa paralisia hermética, o meu cansaço desistente. seguirá comprador dos passos meus que não ecoarão na tua estrada.
fico-me por este quarto. no escuro das pálpebras sem vontade muscular, possuídas por inteiro pela cegueira que me impede de saltar a tua janela.
cada parede uma metástase celular que me consome.
e tu aí tão perto, bem lá no mundo que me chora.
(...)