Morte, preciso de falar contigo.
Vamos ter uma conversa de mulher para mulher.
Chamo-te mulher apenas por ser a única personificação de figura humana com quem imagino possível este diálogo.
Um diálogo por definição, porém, obriga à existência física, telefónica, escrita ou virtual de pelo menos dois interlocutores, que falam, nas mais diversas acepções da comunicação, e respondem às perguntas um do outro, nas mais diversas acepções da linguagem, pelo que será tudo, menos pragmático, o monólogo interior que se segue.
Como é que tu és, Morte?
Serás tu bela e sedutora, como uma feiticeira de magia negra que faz um caldo de poções para ocultar a sua fealdade diante do seu fiel espelho?
Ou serás tu perturbada e obcecada por homens que amam mulheres mais bonitas do que tu?
Sejas tu como fores, não te receio. Antes te aceito e respeito por seres como és.
Onde é que tu estás, Morte?
Estarás tu mesmo aqui atrás de mim, vigiando o meu desassossego, velando pela minha inquietude?
Ou estarás tu lá fora, espiando-me como um agente de polícia municipal mal disfarçado à civil?
Estejas tu onde estiveres, não me assustas. Antes despertas a minha curiosidade, por não seres demasiado óbvia.
O que é que tu tens, Morte?
Terás tu um norte e um sul, como todas as coisas suspensas na gravidade?
Ou terás tu perdido o rumo do fio de prumo que recto te suga para o teu próprio fundo?
Tenhas tu o que tiveres, não te invejo. Antes te cobiço.
Que formas é que tu assumes, Morte?
Poderá ser a forma de um anjo assexuado, cujo centro do corpo não tem umbigo?
Ou poderá ser a forma de uma bruxa, que atravessa o céu numa vassoura sem pau levando toda a poeira da terra no seu chapéu bicudo?
Assumas tu as formas que assumires, não te reconheço. Antes te disfarço.
Quem te gerou, Morte?
Terá sido uma Eva que comeu uma maçã e foi mordida por um Adão?
Ou terá sido uma cobra venenosa que mudou de pele fora de estação?
Seja lá quem for que te deu vida, o que é um coisa por si só horrível de se dizer, não tem perdão.
Antes devia subscrever a teoria dos contrários, pois não há maior incoerência.
Porque é que te escondes no momento de carregares mais uma vítima?
Será por receio de seres vista e apareceres nas capas das revistas sociais femininas?
Ou será por mera cobardia, antipatia e falsa hipocrisia?
Seja lá qual for a razão do teu esconderijo, sei que és muito vaidosa e que deliras com o share de audiências que consegues atrair (embora isso não passe de um mero fenómeno de psicologia de massas).
Sei também que és narcisista. Tu não sabes é que, ao elevares o teu ego, esse amor próprio e elevada auto – estima aceleram a tua destruição.
Agora que já sabes, aproveita.
1 comentários:
E está muito bem.
Aos dois.
Bem-vinda, Alice.
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