"...quando estás frente a mim, os teus olhos falam-me das coisas, de todas as coisas que flutuam entre nós, à deriva. e eu, quando os ouço, sou como um corpo náufrago na terrível dimensão do mar onde, em cada barco afundado, há uma morte silenciosa ou o prenúncio de um amor ainda por acontecer. "

ORAÇÃO



sem desistências
porque a dor é panaceia para a anestésica forma de não sentir!

sem tréguas
porque a refrega não é passível de abandono.

a luta é pelo ceptro da sedução!



photo by joão manuel


Estava a porta entreaberta, não bati sequer. Sempre me espanta encontrar-te tão assim de visita, na tua própria casa, em ti. Era difícil tocar-te, mexer-te. Na parede branca oscilam os ramos, as sombras de ramos da alameda. Era mais fácil beijar-te, por falta de palavras. Tão profundo é o silêncio, que se ouvem todos os rumores, o ladrar de um cão, o silvo de uma fisga, a pancada dos ramos no entardecer, lembrando um sino submarino. Pensava que amar-te (querer-te livre) começava na ponta dos dedos e ia até às ideias mais abstractas, que o teu corpo era a melhor expressão possível de ti, e ainda muda, como um hieróglifo enterrado na areia do teu deserto favorito (algures na anatólia), pensava que serias um dia aquela singular memória que nos separa, um breve instante, de tudo quanto vemos, e muitas outras noites, acordado junto ao teu corpo ausente...
António Franco Alexandre

MUSA


sacodem a solidão, por entre as migalhas de poeira, cada um dos passos firmes num passeio solitário.

para lá da estrutura auditiva, o ninho de palavras de um escritor sorve todos os ruídos que volteiam no mesmo mundo das cores, na mesma dimensão dos animais, plantas, construções e pedaços de natureza que se espalham ao longo da vida desse percurso.

eis o que pulsa no fervor da escrita.
cada página um campo de batalha, cada palavra uma adaga desse convicto vampiro do mundo de todos, de todos quantos agora foram sorvidos pelo seu mundo!

shiuu....


Calo a custo as palavras que me falam de ti.

Agarro-as uma a uma, com todo o cuidado,

antes que se amontoem,

e reduzo-as a silêncio,

uma e outra vez.

Luís Ene


"Ninguém muda. Não sou só eu que não mudei. Nin-guém-mu-da, ouviste? Nin-guém. Eu não sabia que gostava de viajar porque nunca tinha viajado, como agora ainda não sei se gosto de outras coisas que nunca fiz. Mas isso não quer dizer que tenha mudado. Somos os mesmos, somos sempre os mesmos."