quando dos teus lábios me sopras um adeus, mergulho célere na protecção da surdez.
neste filme, a despedida é sempre o prenúncio da nossa próxima dança.
nem que seja em mim. nem que seja na lembrança de cada gesto vampírico executado pela tua lágrima a desenhar o meu rosto, carrega toda a simbologia da tua posse em minha oferta, ninho da partilha, comunhão do aconchego.
sigo então os passos que dou, na antecipação do grito sonoro com que cortarão o vazio.
ecoam numa manifestação contrária à morte. a verdadeira.
a que acontece no volteio do respiro falso, exalado por quem se julga vivo e não passa de um singelo corpo carregado de mácula.
e no vidro da tua vida escorre a minha, contada na música das gotas de chuva.
TEMPESTADE
Esta noite todos os quartos estão frios.
Entra pelas janelas a verdadeira imobilidade das árvores.
Em volta, nas paredes escurecidas, a infância mais antiga.
Um homem dissipa-se subitamente contra o luar.
Esse é o gesto que faz morrer os campos.
É o mesmo gesto que levanta um amor mútuo,
uma tontura de corpos atirados para uma
morada extrema.
Aqui se conhece o elo que une a terra
e as mãos e o sonho animal.
Porque o círculo das vozes é uma gravidez poderosa.
E há sempre vozes no interior das paredes,
subindo das fundações,
inchando toda a casa.
Em cada quarto um ser procura a presença do seu próprio rosto.
Vasco Gato
autópsia de Mia
autópsia de Mia
tomorrow
hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira
na ladeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos
presos dentro das chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia...
jogos e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
é o brincar agitado do sol nas mãos das crianças descalças
hoje é dia de coisas simples
al berto
autópsia de Mia
RENASCER
dotem de farto silêncio a plenitude dos vossos tímpanos, em continua prevenção de quebras de escuta.
comam ávidos os frutos da voz que vos chega erguida nos parâmetros do silêncio.
sintam como voa o seu fluxo, brotando num gemido, exalando numa súplica, pugnando em prece pela ousadia.
eis o desafio: pulsem para lá do bafo em cada simples respiro.
autópsia de Mia