TEMPESTADE



quando dos teus lábios me sopras um adeus, mergulho célere na protecção da surdez.
neste filme, a despedida é sempre o prenúncio da nossa próxima dança.
nem que seja em mim. nem que seja na lembrança de cada gesto vampírico executado pela tua lágrima a desenhar o meu rosto, carrega toda a simbologia da tua posse em minha oferta, ninho da partilha, comunhão do aconchego.
sigo então os passos que dou, na antecipação do grito sonoro com que cortarão o vazio.
ecoam numa manifestação contrária à morte. a verdadeira.
a que acontece no volteio do respiro falso, exalado por quem se julga vivo e não passa de um singelo corpo carregado de mácula.

e no vidro da tua vida escorre a minha, contada na música das gotas de chuva.























Esta noite todos os quartos estão frios.
Entra pelas janelas a verdadeira imobilidade das árvores.
Em volta, nas paredes escurecidas, a infância mais antiga.
Um homem dissipa-se subitamente contra o luar.
Esse é o gesto que faz morrer os campos.
É o mesmo gesto que levanta um amor mútuo,
uma tontura de corpos atirados para uma
morada extrema.
Aqui se conhece o elo que une a terra
e as mãos e o sonho animal.
Porque o círculo das vozes é uma gravidez poderosa.

E há sempre vozes no interior das paredes,
subindo das fundações,
inchando toda a casa.

Em cada quarto um ser procura a presença do seu próprio rosto.


Vasco Gato


… O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e aos corpos de intermédio…



Affonso Romano de Sant'Anna

tomorrow


Parabéns Carlos!!!
Desejos de um dia simples (os melhores!)

hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira
na ladeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos
presos dentro das chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia...
jogos e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
é o brincar agitado do sol nas mãos das crianças descalças
hoje é dia de coisas simples

al berto

RENASCER



dotem de farto silêncio a plenitude dos vossos tímpanos, em continua prevenção de quebras de escuta.
comam ávidos os frutos da voz que vos chega erguida nos parâmetros do silêncio.
sintam como voa o seu fluxo, brotando num gemido, exalando numa súplica, pugnando em prece pela ousadia.
eis o desafio: pulsem para lá do bafo em cada simples respiro.


... Poderia dizer-te:
"É muito o que te posso dar.
Mas o que existe em mim será suficiente?"