É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
quando a noite se destaca
da cortina;
quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
quando a força de vontade
ressuscita;
quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia-
que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz livida,
a palavra despedida.
David Mourão Ferreira
autópsia de Mia
vem...
Visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
vem
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
vem
antes que desperte em mim o grito
de alguma terna Jeanne Hébuterne
a paixão derrama-se quando tua ausência
se prende às veias prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
vem
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te
al berto
autópsia de Mia
Tu encostavas o teu rosto
À inquietude do meu peito
Quando eu
Não tinha mais nada para dizer
Tu encostavas o teu rosto
À inquietude do meu peito
E escutavas
O meu sangue que corria
A minha paixão lacrimejante que morria
Tu ouvias-me
Mas não me vias
Forugh Farrokhzad
autópsia de Mia
Teardrop
Love is a doing word
Fearless on my breath
Gentle impulsion
Shakes me makes me lighter
Fearless on my breath
Teardrop on the fire
Fearless on my breath
Night, night of matter
Black flowers blossom
Fearless on my breath
Black flowers blossom
Fearless on my breath
Teardrop on the fire
Fearless on my breath
Water is my eye
Most faithful mirror
Fearless on my breath
Teardrop on the fire of a confession
Fearless on my breath
Most faithful mirror
Fearless on my breath
Teardrop on the fire
Fearless on my breath
You're stumbling a little
Massive Attack
(em jeito de prenda!)
autópsia de Mia
Commuter Love
Freezing Monday morning
She is waiting for her train to come
I brush past her, smell her perfume
Watch her hair move as she turns to go
She doesn't know I exist
I'm gonna keep it like this
I'm not gonna take any risks this time
She's not like the others
With their papers and their headphones on
She reads novels by French authors with loose morals
She can do no wrong
I wouldn't say I'm obsessed
I don't wanna see her undressed
We can be prince and princess in my dream
And we're dancing
Through the evening
'Til the morning
divine comedy
autópsia de Mia
interlúdio (três pedaços de tempo antes do sussurro)
quero que meus dedos falem
a linguagem da tua pele.
em cada arrepio nascido
no que conversam, um verso.
Assim constróis o poema maior que exalo,
no precioso ritmo do teu suspiro.
e manterei sempre a tua alma
bem longe das garras dos vampiros,
até que o sol renasça.
Yo también
Yo también me canso de nadar contra corriente,
de seguir andando cuesta arriba
de seguir luchando cada día
desearía detenerme,
desprenderme
descender
renunciar
olvidar
llorar.
Yo también he sentido las ganas de escapar de todo,
contagiarme de amnesia selectiva
dormir hasta que me canse
reir hasta que me duela
reencontrarme
consentirme
liberarme
amar.
DEVOÇÃO
formulo votos
onde deposito uma ânsia frémita
perante o nascimento de cada ruga minha:
que seja alvo predilecto
do pleno ousar que me fazem alado!
que nasçam, num voo sempre firme.
frutos assumidos do meu carácter menino,
quando docemente passeia,
numa solene ousadia.
lãnguido servo
do altar dos teus contornos.
Siempre llueve cuando te vas,
aunque lo desmientan los meteorólogos
y los turistas tomando
el sol en las terrazas.
Siempre llueve una lluvia pequeña
como de sal o de ceniza,
una lluvia cortada a la medida de mis hombros
y con mismo recorrido que mis pasos.
Siempre llueve cuando te vas
aunque la gente siga caminando y se pregunte
por qué corro calle abajo
con las ropas empapadas.
Alejandra Pizarnik
autópsia de Mia
Guardo-te...
Eu deixarei que morra em mim o desejo
de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa
de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa
como a luz e a vida.
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque
em meu ser está tudo terminado.
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados.
Para que eu possa levar uma gota de orvalho,
nesta terra amaldiçoada,
Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado.
Eu deixarei ...
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei a minha face
na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,do vento,
do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.
Vinicius de Moraes
autópsia de Mia
Um dia em que se possa não saber
Dai-me um dia branco, um mar de beladona,
um movimento
inteiro, unido, adormecido,
como um só momento.
Eu quero caminhar como quem dorme,
entre países sem nome que flutuam.
Imagens tão mudas
que ao olhá-las me pareça
que fechei os olhos.
Um dia em que se possa não saber.
Sophia de Mello Breyner
autópsia de Mia