Tu tão parecida com o vento que rodopia nas almas para se entalar nas frestas da angustia, na luz da escuridão, nos passos imóveis que nunca se dá porque seriam fatalmente motores. Tu que me embalas e me arrastas e em dias de sorte me fazes chorar, como se chorar fosse a ultima hipótese de te ter ao meu lado em cada lágrima, como se cada lágrima fosse um barco possível para regressar a ti, para te chamar ao meu corpo como as sirenes dos navios acordam em estertor em dias de nevoeiros os portos perigosos das paixões. Tu que pouco sabes de ti e que de mim te apartas como se não fosses tu, como se houvesse viagens com retorno, como se fosse possível terminar e determinar aquilo que é infinito porque não morreu.
(...)
será que entendes o enigma que sem saberes sou eu para ti? Será que alguma vez leste na minha pele toda a evidência, ao ponto de te embriagares, de quebrares muros, resistências, análises, trancas, algemas, receios talvez inúteis de brisas talvez fecundas?

Tu que te estatelas agora no céu de cada noite deserta, será que algum dia tornarás a ler o céu no chão? Será que em alguma papelaria escondida na cidade, encontrarei um dia um mapa para te ler sem te sufocar? Tu que me tropeças cada passo, será que tens ainda em ti, o único pulmão que já me fez respirar?

Vivo apenas uma praia oca. Nem areia tem. A primeira duna é árida e semelhante à última. Nada sei de mim. Mas sei quem tu és. És a única pergunta que não formulei. Será que ao menos sabes que eu não sei?

Manuel Cintra

4 comentários:

João C. Santos disse...

eterno desafio da procura ao entendimento..., muito bom o seu texto.

Ana P. disse...

Que belo texto. Gostei bastante.

Beijos

oldmirror disse...

sufôco.

(ainda procuro as palavras)

Twlwyth disse...

Será que um dia te perderás no labirinto de arbustos altos, densos e perfumados? Se calhar não...
Foi um prazer ler este texto.