Manifesto Sem Dedicatória Óbvia





A verdade? A verdade, meu amigo, é que tudo isto não passa de uma fétida e borbulhante feira de vaidades, uma mentira-espelho do nosso "quero ser", um reflexo de intangíveis presunções.


A verdade, meu amigo, é que não podemos ser outra coisa que não aquilo que somos, que a volta da vida termina em morte e que todos os minúsculos glóbulos do nosso ser para lá se encaminham, oxidados, num prenúncio da derradeira ficção por que o nosso ser clama, a da hedionda imortalidade.


A verdade, meu amigo, é que faças o que fizeres, aparentes o que aparentares, nada se assemelha à vida no seu ritmo obscuro que nos escapa à compreensão. E que, por muito que possas relativizar as coisas, não passas - tu e eu - de um abstracto monte de merda dotado de uma espécie de maquinaria de alta tecnologia que te empresta o ser que queres individual e que, no entanto, se move num padrão de agora e sempre amén.


E não fosse esta lucidez embriagada de um momento de perfeição alcoólica, e nunca te deitarias na contemplação do verdadeiro motivo da tua existência por estas paragens: a do verso vácuo, a da negligência do ser, a do faz-de-conta que sou algo.


Sente-te em primeiro, apalpa-te os poros de onde sai toda essa verborreia faminta de atenção, faz-te à vida real e olha em torno desse abundante sebo a que chamas ego - talvez consigas, enfim, divisar outro que não tu, que não a presunçosa imagem que de ti fazes.


Ah! o artista! Quanto de ridículo há em ti!


Nada do que fazes caberia na ópera bufa que a merda que eu produzo poderia vir um dia a constituir. És pequeno, como os demais, como eu, comparado com as leis que predominam no éter. Falas-me de deuses e de coisas abstractas como o amor, esquecendo os amores ódio da populaça - porque não a conheces, porque não pareces querer compreender que o amor é saliva, suor, sémen, toda a porcaria possível e imaginária que é, no fim, um qualquer poema - esse sim - de Scola, porque te julgas acima dela.


Ah, artista!, olha em volta e nota o ridículo que há em ti. Vê as secreções que o imaginário que sugeres origina, ousa responder-lhes na toada e diz-me: era isso o planeado? Pensavas tu que estavas acima da linha de água... Mas o esgoto em que te moves, o da pútrida carne feita homem, é assim mesmo: um imenso regurgitar de versos e poemas falsos, um imenso paroxismo de ineficaz fado.


Salva-te, enquanto tens a mínima ideia de realidade, faz por seres. Só isso, e, para nosso bem, nunca mais escreveres.



VAI

À

MERDA

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