Passo o teu nome da minha boca para este lugar de papel.
E assim tu vens, menina do rio, louca e desastrada,
nessa tua canoa de silêncios, a entrar no poema.
Mãos em existência felina e respirando sem pausas.
Voltas a cabeça para o lado da luz e abre-se devagar
o talento incendidado do teu rosto.
(...)
Se existe uma chave,
se existe uma chave que não derreta na boca,
se existe uma boca capaz de se abrir para outra boca,
então eu amo,
eu beijo,
eu deixo de esperar.
Então tu saltas e arrastas contigo toda a terra.
Convidas-me para o teu corpo no gesto
sem mágoa
de um ombro que se expõe.
Tens anos de combustão solar, e moves-te assim:
tocando simultaneamente o resgate e o perigo.
Ah forte como a loucura é o amor,
o amor como a electricidade dos campos.
O amor-pirâmide, o amor-trevo-de-quatro-folhas,
o amor-moeda-achada-no-chão.
Não digas sorte, diz privilégio.
Não peças perdão, pede chuva.
Não recues, assombra-te.
(...)
A minha alegria é um aroma de tangerina nos dedos,
comer aos gomos a paisagem e limpar depois
a boca à manga do espanto.
Tu puxas-me e somos duas crianças num trilho de mata,
num banco de pedra, num portão verde
dividindo o aqui e o ali.
Porque nós estamos aqui.
Aqui onde te entrego os meus bolsos,
e - repara - as tuas mãos cabem.
Nós estamos aqui.
Menina do rio na tua canoa de silêncios, a tua voz
enrola-se na minha voz como prédios e sombra numa cidade,
como leite e açúcar na infância, como o destino de um navio.
Atravesso quilometricamente a pobreza deste reino para te ver,
para te ver uma bússola de neve, uma corda vermelha,
a destreza de um telhado através dos dias.
Tu não precisas falar uma outra língua,
o persa é uma língua que nos chega!
Tu não precisas oferecer-me portas e milhares de portas,
basta que apareças.
Que apareças nesta fogueira de bruxas,
na inquisição canina de uma época longe, muito longe,
dolorosamente longe da magia de um homem e de uma mulher.
Nós estamos aqui para arder pelo nosso corpo completo.
Tu e eu, leões estirados ao sol,
harpa para os nossos dedos quentes,
poema numa sala de lâminas.
Nós estamos aqui para fugir,
nós estamos aqui para chegar de vez.
Vasco Gato
Então tu saltas e arrastas contigo toda a terra.
Convidas-me para o teu corpo no gesto
sem mágoa
de um ombro que se expõe.
Tens anos de combustão solar, e moves-te assim:
tocando simultaneamente o resgate e o perigo.
Ah forte como a loucura é o amor,
o amor como a electricidade dos campos.
O amor-pirâmide, o amor-trevo-de-quatro-folhas,
o amor-moeda-achada-no-chão.
Não digas sorte, diz privilégio.
Não peças perdão, pede chuva.
Não recues, assombra-te.
(...)
A minha alegria é um aroma de tangerina nos dedos,
comer aos gomos a paisagem e limpar depois
a boca à manga do espanto.
Tu puxas-me e somos duas crianças num trilho de mata,
num banco de pedra, num portão verde
dividindo o aqui e o ali.
Porque nós estamos aqui.
Aqui onde te entrego os meus bolsos,
e - repara - as tuas mãos cabem.
Nós estamos aqui.
Menina do rio na tua canoa de silêncios, a tua voz
enrola-se na minha voz como prédios e sombra numa cidade,
como leite e açúcar na infância, como o destino de um navio.
Atravesso quilometricamente a pobreza deste reino para te ver,
para te ver uma bússola de neve, uma corda vermelha,
a destreza de um telhado através dos dias.
Tu não precisas falar uma outra língua,
o persa é uma língua que nos chega!
Tu não precisas oferecer-me portas e milhares de portas,
basta que apareças.
Que apareças nesta fogueira de bruxas,
na inquisição canina de uma época longe, muito longe,
dolorosamente longe da magia de um homem e de uma mulher.
Nós estamos aqui para arder pelo nosso corpo completo.
Tu e eu, leões estirados ao sol,
harpa para os nossos dedos quentes,
poema numa sala de lâminas.
Nós estamos aqui para fugir,
nós estamos aqui para chegar de vez.
Vasco Gato
Seulement et rien de plus
Confortamo-nos com histórias laterais,
evitamos o toque, há risco de contágio;
por mais que preservemos a franqueza
passou o estágio já da frontal alegria:
estamos bem, obrigada, embora aquém
de antes - entretanto admitimos não
saber, e enquanto resta isto indefinido,
mesmo com luvas, pinças de parafina,
não sondamos mais, sob pena de crescer
um quisto nesse incisivo sítio, onde
achámos, sem tacto que menos doía
Margarida Vale de Gato
evitamos o toque, há risco de contágio;
por mais que preservemos a franqueza
passou o estágio já da frontal alegria:
estamos bem, obrigada, embora aquém
de antes - entretanto admitimos não
saber, e enquanto resta isto indefinido,
mesmo com luvas, pinças de parafina,
não sondamos mais, sob pena de crescer
um quisto nesse incisivo sítio, onde
achámos, sem tacto que menos doía
Margarida Vale de Gato
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes
o ausente
Sophia de Mello Breyner
Meus olhos não fabricam a realidade ou tu. Meus olhos não fabricam mas encontram. Silêncio no teu olhar, na tua boca. Em tua língua primitiva o mar se olha. É o deserto e falas, boca brusca de ignorado alento.
Não te construo, constróis-me, construo-te. Construo-te, mar. Aqui onde o sol se acende em carne,onde a casa é um nome de mar,e os frutos e os espelhos amadurecem o corpo solidário. Aqui tu és lenta verdade no sossego do sangue: circulação de nomes e de peixes.
Esta ciência de inocência e água se toco, delicado, ou pão ou página,ou corpo, ou fruto, ou verde folha, este pisar que é duro e leve, a frescura e a sombra, o ar, a luz.Tudo me dás.Tudo te dou. Tudo nos damos.
E a terra mais próxima e as ervas e os bichos translúcidos entre pedras, a serena eclosão dos nomes, cabeleira sobre o corpo fresco, intenso e nu. Verdade ainda mais próxima dos tranquilos campos. Paz que se alonga às searas por um corpo amado, renhidamente amado entre a verdura na noite de estrelas claras e estáticas.
Sobrio
o teu corpo me pede penetração, nomes puros: os de boca, braços, mãos sobre a terra e sobre os muros.
Sobrio
o teu corpo me pede nomes justos, nomes duros: os da terra, fogo e punhos, claros, acres, escuros.
António Ramos Rosa
Não te construo, constróis-me, construo-te. Construo-te, mar. Aqui onde o sol se acende em carne,onde a casa é um nome de mar,e os frutos e os espelhos amadurecem o corpo solidário. Aqui tu és lenta verdade no sossego do sangue: circulação de nomes e de peixes.
Esta ciência de inocência e água se toco, delicado, ou pão ou página,ou corpo, ou fruto, ou verde folha, este pisar que é duro e leve, a frescura e a sombra, o ar, a luz.Tudo me dás.Tudo te dou. Tudo nos damos.
E a terra mais próxima e as ervas e os bichos translúcidos entre pedras, a serena eclosão dos nomes, cabeleira sobre o corpo fresco, intenso e nu. Verdade ainda mais próxima dos tranquilos campos. Paz que se alonga às searas por um corpo amado, renhidamente amado entre a verdura na noite de estrelas claras e estáticas.
Sobrio
o teu corpo me pede penetração, nomes puros: os de boca, braços, mãos sobre a terra e sobre os muros.
Sobrio
o teu corpo me pede nomes justos, nomes duros: os da terra, fogo e punhos, claros, acres, escuros.
António Ramos Rosa
Eles olhavam e não a viam.
Ela fazia mais sombra do que existia.
Clarice Lispector
O seu drama não era o drama do peso, mas o da leveza.
O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser.
Milan Kundera
Não basta estender as mãos vazias para o corpo mutilado,
acariciar-lhe os cabelos e dizer: Bom dia, meu Amor.
Parto amanhã.
Não basta depor nos lábios inventados a frescura de um beijo
doce e leve e dizer: Fecharam-nos as portas. Mas espera.
Não basta amar a superfície cómoda, ritual, exacta nos con-
tornos a que a mão se afeiçoa e dizer: A morte é o caminho.
Não basta olhar a Amante como um crime ou uma injúria
e apesar disso murmurar: Somos dois e exigimos.
Não basta encher de sonhos a mala de viagem, colocar-lhe as
etiquetas e afirmar: Procuro o esquecimento.
Não basta escutar, no silêncio da noite, a estranha voz dis-
tante, entre ruídos de música e interferências aladas.
Não basta ser feliz.
Não basta a Primavera.
Não basta a solidão.
Daniel Filipe
path
Talvez não saibas por onde se pode passar para o outro lado; não pela ponte , que está fechada para quem apenas leva a imaginação: mas por um caminho que junta quem olha, de ambos os lados, as nuvens de chuva que o mar empurra para terra.
É um caminho com as cores de um arco-íris. As suas pedras fazem doer a alma, mais do que os pés; e se um de nós pega numa dessas pedras para a meter no bolso, ela desfaz-se, como se fosse areia.
Encontramo-nos a meio da travessia, num lugar em que olhamos para os dois lados de onde cada um de nós partiu. E os dois lados são iguais, com as mesmas árvores e as mesmas casas. Mas falas-me de uma sensação de distância que, apesar de estarmos juntos, trazemos connosco.
Também os caules crescem sem nunca se encontrarem; e se o ventos os empurra, cada um segue uma direcção diversa. por isso, não nos vemos, neste fim de tarde, nem ouvimos o que temos para nos dizer.
Para quê, então, atravessar as pontes abstractas que nos levam uns em direcção aos outros? Que distâncias se podem evitar quando julgamos que os seres coincidem no instante de um olhar?
Nuno Júdice
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