Talvez que o que eu lhe dissera sobre o homem tivesse tido uma repercussão abrupta,tal era a distância de experiência que nos separava. Não havia em mim qualquer lucidez cínica e arrepiante, como se desejar ter um homem fosse criminosamente uma ilusão. Não. De modo algum. Falara-lhe apenas, antecipando a necessária deslocação do toque. Vê-la tocar no tecido fez-me lembrar, ou pensar que nela alguma memória habitaria mas tão diáfana e subtil que, por comparação, lhe seria difícil iniciar um esboço de inventário, dar nomes aos objectos, ou objectos aos nomes falar da brevíssima ou levíssima diferença que sobressaísse, mas onde cada coisa haveria de aparecer lentamente,tacteando.
... enquanto a mão percorria o espaldar, vi formar-se lentamente uma diferença imanente, uma presença ausente que já antes lhe roçara o corpo,e se esvaíra. Olhei-a no rosto,o meu olhar encontrou-a a roçar-se pelo vestido pensei que estivesse nua, que apenas o vestido a vestisse, ou que o vestido apenas a vestisse, acreditei que falasse um nome, que o falasse abruptamente, sabendo que é infinita a violência da mulher, como é infinita a sedução do vestido que a veste, não sabendo, nós mulheres, pela primeira vez o digo, qual é em nós a substância, a mão que roça pelo espaldar, ou o tecido branco que cobre de atributos a própria mesa.
Se o toque não for decidido, e o medo nos invadir, não terei palavras para lho dizer. Como dizer-lhe que uma lâmpada se funde inesperadamente, que um prato cai sem darmos por isso, quando isso é a própria queda, que uma voz desaparece repentinamente de nos falar que um afecto é, de facto, tudo (mas não de tudo quanto o prende), que teria gostado de escrever romances se o tempo não existisse, que se o toque fosse indiferente apenas existiriam atributos ou, se preferes, enquanto acaricias esse espaldar só haveria vestidos, e o corpo onde o deixarias sem ter, sequer, a noção de afecto a quem o dar...não olhes para mim com esse olhar.
Sem uma memória decidida, as coisas desconhecidas flutuam. Sim, imagino. Disse-lhe, soletrando todas as letras, o cheiro fasto que se desprende do espaldar é de um homem, odor denso, de um homem incómodo, embaraçoso, opaco. Quem gostarias de ver a teu lado?
Maria Gabriela Llansol
Maria Gabriela Llansol
0 comentários:
Enviar um comentário