2007




















Procura a maravilha.
Onde um beijo sabe a barcos e bruma.
No brilho redondo e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha.

Eugénio De Andrade

natal


Um natal sereno para todos.



















en la otra orilla de la noche
el amor es posible

llévame
llévame entre las dulces sustancias
que mueren cada día en tu memoria

Alejandra Pizarnik

LÍNGUA



vês meu palato?
Observas como dele escorre a minha saliva,
adocicada pelo belo pecado da ânsia.

quero-te verde.
nem ouses negociação,
nem me fales da paleta de cores.
Sem mais,
assim me sacias na seiva
da esperança.

o inevitável desejo

O crepitar do sal diz que os teus lábios se encerraram para todo o eternamente. Primeiro: a tua palavra basta para demonstrar que é morto o tapente extenso por debaixo dos pés; segundo: foi porque um dia os abriste que a savana se inundou de lágrimas que apesar de invisíveis se sabem também detonadoras; terceiro: é no fundo justiça que fazes ao vivido da tua vida violada por tantos actos cacofónicos como estas últimas palavras. E eu lamento(-te), por saber que é parte que perdes de ti, da tua coisidade.
O respeito às lendas trago-o nas costas, para que um dia possa aliviar-me do seu peso. Será prova irrefutável, quando a maré te devolver à terra que julgas abandonar (tão triste aquele que julga encontrar no mar o que não lhe chega em terra). E no dia que voltares sem fôlego à tua espera estarão todos os propositados desencontros, sem uma sequer palavra de recriminação. Serás tu a recriminar-te.
Quem sabe, então... talvez reviva o gesto já explorado desta vez numa dimensão absurda, igual às histórias infinitas de suspiro e desejo comuns a todos (que nunca lhes tocaram).

cansaço

Há no meu ombro lugar para o teu cansaço
e a minha altura é para ser medida
palmo a palmo pela tua mão ferida.

Ruy Belo

Casa


Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão…

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.

(David Mourão-Ferreira)


Não saberei nunca
dizer adeus

Afinal,
só os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser

Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo

Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos

Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca

Nenhuma palavra
alcança o mundo,
eu sei

Ainda assim,
escrevo

Mia Couto