les yeux...
As palavras proferidas pelo coração não têm língua que as articule, retém-nas um nó na garganta e só os olhos é que se podem ler.
José Saramago
Ergues o olhar:
surpreendes por instantes essa hora em que o mundo envelhece
ténues as variações do branco parecem dissolvê-lo
numa longínqua música, anterior à chuva.
Ou será então a imagem submersa de um filme a preto e branco
Há próximo um branco vibrante:
o da cal ainda recente mas que a humidade salina já a espaços mordeu,
recortando as feridas cinza na varanda a que vens.
Não há ninguém aqui. Quem te chame, digo.
Há o branco baço na parede que em frente em vão separ a rua e praia.
Tendo já transposto essa fronteira incerta ou erguendo-se para lá dela.
Há o branco pobre da areia.
As dunas planetárias sustentam os corpos deitados de mar e céu.
Aí é agora o grande branco:
o clarão velado e difuso que guarda e distribui a memória embaciada
do azul e do verde, do oiro e da prata -
uma lembrança vã.
Tu escreves no visível do mundo essa névoa branca e desolada
que o motor da paisagem produz.
As folhas do ar são como se fome
as levíssimas pétalas,
as vagas sílabas de uma neve -
e essa névoa engolfa, atrasa e apaga na travessia dos simulacros
das coisas supostas e imaginadas que o mundo te envia
enquanto esperas por alguém que não virá.
Manuel Gusmão
- Exceptuando o meu - perguntou ela -, já assististe a grandes amores?
- Em terra - respondeu Laurent, passados alguns momentos - assisti a alguns. É uma coisa muito triste de se ver.
- Referes-te - perguntou ela - a esses amores sobre os quais nada impende? Que nada, aparentemente, impede de durarem para sempre?
- Instalados na eternidade - completou Laurent -, é isso.
- A eternidade é muito - observei eu.
- Não é verdade que nada nos impressiona mais do que um grande amor? Que nada, em suma, se lhe assemelha?
- Os pequenos amores do dia-a-dia - observei eu - têm outras vantagens.
- E esses - concordou Laurent, rindo - não são tão tristes de ver.
- A esses basta-lhes a vida - comentei eu -, não saberiam que fazer da eternidade.
- Digam-me cá - pediu ela -, qual é o sinal anunciador do fim de um grande amor?
- O facto de nada o impedir, aparentemente, de durar para sempre, não é? - disse eu.
Marguerite Duras
Aquilo a que muita gente chama amar consiste em escolher uma mulher e casar com ela. Escolhem, juro-te, já os vi fazerem-no. Como se se pudesse escolher no amor, como se amar não fosse um raio que quebra os ossos e nos deixa paralisados no meio do pátio. Não se pode escolher Beatriz, não se pode escolher Julieta. Não podemos escolher a chuva que nos vai encharcar até os ossos quando saímos de um concerto.
Julio Cortázar
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