Chegámos ao amor pelos mapas vincados da solidão. Quando o veneno das últimas memórias se diluiu no sangue (como o orvalho se evapora dos salgueiros assim que março começa a conspirar), o nosso silêncio gritou para que alguém o escutasse. Despimos, pois, as estátuas um do outro sem o temor de perturbarmos o coração da pedra, e descobrimos que a nudez era a única ponte que entre nós se estendia. Nas imensas noites que se abateram sobre nós, os nossos corpos deixaram de pertencer ao mundo: foram como essas aves surdas que se afastam do bando, eternamente indiferentes ao apelo do verão. Por isso creio agora que o amor não passou de uma desculpa para juntarmos os nossos desamparos, e não estranho sequer que lábios castigados por tantos beijos como foram os teus nunca tenham nomeado essa doce fadiga que sucede a um abraço, nem me pergunto porque, ao fechar os olhos, são hoje ainda as linhas do teu rosto que as sombras teimosamente me devolvem.
Maria do Rosário Pedreira
Maria do Rosário Pedreira
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