"Deixas rasto no meu peito durante horas. Dou com cabelos teus colados, dias depois, à roupa do meu sorriso.Encontro nos vincos mais longínquos dos meus dedos o cheiro parado do teu olhar tão móvel. Procuro-te nas esquinas dos instantes que passam. Reconheço-te no vinco que a ternura deixa na carne do peito, do meu olhar, aquele que deito para longe, para outra esquina, de onde recebo mensagens de outro olhar igualmente teu, igualmente meu, reflectido na montra de uma loja do nosso sono. Deslizo. Deito-me sobre as lembranças. (...) E procuro-te sempre, na ausência da carne que os dias me traçam na pele. E depois na presença eu ... presença tu..."
autópsia de Mia
Tu, que não conheço ainda, ou imagino que não conheço, ajuda-me a ficar. Ocupo pouco espaço, quase não faço barulho, nunca grito, não incomodo ninguém. Leva-me contigo e ajuda-me a ficar.Tenho a ternura simples mas aos nós. Como as tuas unhas são mais compridas do que as minhas desata-me isto tudo. Mãos impregnadas de nuvens, ossos suaves como o leite,vagarosos, certeiros. É bom nascer no instante em que o ar é mais frio do que a água.Trouxe-o aqui no bolso para ti. Há-de haver, nalgum sítio, a minha última casa.
António Lobo Antunes
autópsia de Mia
não tinha sentido pensar em ti
e não sair a correr para a rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade de uma ponta a outra
só para te dizer boa noite
ou talvez tocar-te
e morrer
al berto
autópsia de Mia
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