Torquato Luz
autópsia de Mia
autópsia de Mia
REVELAÇÃO
se me ofereces apenas a saudade, vejo-te em cores consumidas pelo preto.
se o vento me diz que te foste, deixo-me consumir pelo seu sopro.
então, cumpro o meu destino, herdeiro gélido do vazio e caio na noite como se fosse a névoa escura que me tolhe, num manto esmagador onde estala a firmeza da culpa, num grito mudo que me garante recusar a posteridade ao meu estertor.
o tempo virou mortalha onde me enlaço perdido, sem cordas vocais que entoem cânticos de lamento, sem músculos que se retesem, detendo o esvair da vida.
Morro porque já não acontece.
(…)
look
Fiama Hasse Pais Brandão
autópsia de Mia
deus tem que ser substituído rapidamente por poemas,
sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.
a dor de todas as ruas vazias.
sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio.
e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo,
e de acabar comigo mesmo.
a dor de todas as ruas vazias.
mas gosto da noite e do riso de cinzas.
gosto do deserto, e do acaso da vida.
gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração,
ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
a dor de todas as ruas vazias.
pois bem, mário -
o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite.
basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro,
e mandar arrear o velame.
é isto que é preciso dizer:
daqui ninguém sai sem cadastro.
a dor de todas as ruas vazias.
sujo os olhos com sangue.
chove torrencialmente.
o filme acabou.
não nos conheceremos nunca.
a dor de todas as ruas vazias.
os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto.
e, por vezes, ouço-os no transe da noite.
assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..
e nada escrevo.
o regresso à escrita terminou.
a vida toda fodida -
e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias.
Al Berto
autópsia de Mia
podemos sempre prende-las...
autópsia de Mia