Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia
como o aroma entre os tendões da madeira fria.
És uma faca cravada na minha vida secreta.
Herberto Hélder
tu me manques...
Resta-nos adormecer onde eclode a borboleta
e balbuciar dentro do sonho as palavras que nunca ousaremos dizer.
Al Berto
Gruas no cais descarregam mercadorias e eu amo-te.
Homens isolados caminham nas avenidas e eu amo-te.
Silêncios eléctricos faíscam dentro das máquinas e eu amo-te.
Destruição contra o caos, destruição contra o caos, e eu amo-te.
Reflexos de corpos desfiguram-se nas montras e eu amo-te.
Envelhecem anos no esquecimento dos armazéns e eu amo-te.
Toda a cidade se destina à noite e eu amo-te.
José Luís Peixoto
Dizes que me amas de uma tal forma,
que não consigo deixar de corar;
que me amas de um modo primitivo,
sem razão aparente e sem desculpas
e que me amas porque me desejas,
porque sabes que eu também te amo
e como o monstro deste amor nos devora
a alma, a paciência e as maneiras.
É uma pena que todas estas coisas
morram em nós afogadas de silêncio.
Amalia Bautista
Amalia Bautista
Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.
António Gedeão
Aqui cantaste nua.
Aqui bebeste a planície, a lua,
e ao vento deste os olhos a beber.
Aqui abandonaste as mãos
a tudo o que não chega a acontecer.
Eugénio de Andrade
Lembro-me agora que tenho de marcar um encontro contigo, num sítio em que ambos nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma das ocorrências da vida venha interferir no que temos para nos dizer. Muitas vezes me lembrei que esse sítio podia ser, até, um lugar sem nada de especial, como um canto de café, em frente de um espelho que poderia servir até de pretexto para reflectir a alma, a impressão da tarde, o último estertor do dia antes de nos despedirmos, quando é preciso encontrar uma fórmula que disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É que o amor nem sempre é uma palavra de uso, aquela que permite a passagem à comunicação mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale, de súbito, o sentido da despedida, e cada um de nós leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio ser, como se uma troca de almas fosse possivel neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde, isto é, a porta tinha-se fechado até outro dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que é também a mais absurda, de um sentimento; e, por trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos encontrar; que há-de ser um dia azul, de verão, em que o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas, que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.
Nuno Júdice
Não haver palavras: só esse silêncio
o silêncio do mar...
Não haver palavras: só esse silêncio
o silêncio do mar,
o silêncio das coisas,
o murmúrio das coisas,
o trabalho lento das imagens - seu clamor,
maneira de nos invadir por dentro de cada uma
um rosto, dentro de cada rosto
em alucinação
o que não se diz,
gesto que se oferece, breve,
breve sinal das coisas,
do tempo que a passar
se demora nos dedos.
Bernardo Pinto de Almeida
do que devia
são um perigo
as palavras
quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada
e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos
um perigo
as palavras
mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero.
Alice Vieira
À procura, procura do vento. Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer. Porque a minha força é imortal.
José Luís Peixoto
Com o tempo na pele, o amanhã não passa de um vazio. Há uma mesa posta, um cigarro aceso e em cada sílaba, histórias por acabar. Como quem está de passagem, corro a cortina. Tudo o que se agarra a mim são sombras. Podia ter escrito sobre a tua ausência. É tarde. E com os lábios feridos não consigo dizer coisas bonitas.
Maria Sousa
I love you as certain dark things are to be loved,
in secret, between the shadow and the soul.
Pablo Neruda
This tremendous world I have inside of me. How to free myself, and this world, without tearing myself to pieces… And rather tear myself to a thousand pieces than be buried with this world within me.
Franz Kafka
Se eu quisesse, enlouquecia.
Sei uma quantidade de histórias terríveis.
Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio...
Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso.
Porque, sabe?
...acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro...Está a ver?
A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caindo sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo...
Tem de se arrumar muito depressa.
Há felizmente o estilo.
Não calcula o que seja?
Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação.
Faço-me entender?
Não?
Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida.
Herberto Helder
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