Vou entreabrir a cortina e olhar a lua. Sopros de esquecimento acalmam a minha agitação. A porta abre-se. O tigre salta. O terror entra. Terror e mais terror, perseguindo-me. Visitarei às escondidas os tesouros escondidos na minha solidão. Do outro lado do mundo há colunas de mármore reflectidas em lagos. A andorinha roça com as asas a superfície de lagos sombrios. Mas aqui a porta abre-se e entra gente. Vêm na minha direcção. Sorriem levemente para esconder a crueldade e a indiferença e apoderam-se de mim. A andorinha roça a superfície do lago e a lua solitária percorre mares azuis. Devo estender-lhe a mão; responder. Mas que resposta dar? Retrocedo com violência, sentindo escaldar o corpo desajeitado e exposto à indiferença e ao desdém dos homens, eu que imagino colunas de mármore e lagos onde as andorinhas molham as asas do outro lado do mundo. A noite adensou-se um pouco mais sobre as chaminés. Olhando sobre o ombro deste homem, vejo através da janela um gato tranquilo, que nenhuma luz ofusca e nenhuma seda tolhe. Um gato livre de parar, espreguiçar-se e recomeçar a andar. Odeio os pormenores da vida individual. Mas aqui sou obrigada a escutar. Um enorme peso me oprime. Não posso mover-me sem carregar o peso de séculos. Sou trespassada por um milhão de flechas. Sinto-me atingida pelo ridículo. Eu que seria capaz de expor o peito às tempestades e de me deixar alegremente cobrir pelo granizo, estou imobilizada.
Virginia Woolf